sábado, 26 de julho de 2008

Trodonte - Capítulo 3

Enquanto observavam, a algumas dezenas de metros de distância, um grupo de estegossauros abocanhando folhas de um arbusto, Celeber e Decus tiravam de suas mochilas de couro os figos dos quais fariam a refeição da tarde. Sem interromper a conversa, os dois trodontes se alojavam apropriadamente, cada um em um galho. Ambos tinham as visões, tanto do bando de dinossauros perseguidos, quanto do grupo de caçadores que guiavam.

- E você acha que conseguiríamos abater os dois filhotes? – perguntou Decus, o trodonte designado como Monitor do grupo. O assistente de Celeber, que era efetivamente o líder da expedição, referia-se claramente aos dois filhotes de Baryonyx que o grupo havia avistado no dia anterior.

Não só os herbívoros, mas também os carnívoros eram caçados pelas equipes da Guilda dos Caçadores – embora sua utilização fosse deveras diferente: as ferozes criaturas eram usadas prioritariamente como guardas das grandes propriedades, e como oponentes de gladiadores nas arenas. Evidentemente, a caça de filhotes era muito mais fácil que a dos dinossauros adultos. Além disso, o adestramento de dinossauros carnívoros adultos era praticamente inviável.

- Eu creio que sim. – respondeu Celeber ao companheiro, enquanto tirava de sua mala de couro, os figos dos quais a dupla faria a refeição da tarde. Logo entregou a Decus três ou quatro deles. – Precisamos apenas arrumar um jeito de separar os filhotes dos pais.

Os dois continuavam a conversa, debatendo agora não só as estratégias para caçar o grupo de estegossauros, como também para pôr as mãos naqueles dois filhotes de Baryonyx – uma oportunidade que havia surgido durante a expedição e que, dado o valor comercial da espécie de carnívoro em questão, não podia ser ignorada. Saboreavam os figos com calma, sem deixar de prestar atenção aos movimentos do bando de estegossauros. Afinal, qualquer um deles poderia disparar em direção do grupo de caçadores, sem motivo aparente.

Foi então que, abaixo deles, no solo, surgiu repentinamente Thescella. A trodonte parecia cansada, ofegando enquanto apoiava-se numa árvore. Celeber e Decus se entreolharam, e desceram rapidamente da árvore sobre a qual estavam.

- Thescella, você está bem? – perguntou com sincera preocupação Celeber. Decus tirava, enquanto isso, uma moringa com água de sua mala de couro.

- Os figos… - disse a trodonte, com muito esforço. Logo perdeu seu apoio e foi ao chão, apoiando-se com a outra mão. Os dois trodontes se entreolharam, ainda processando o que ela havia dito. – Não com… Mmmph…

Thescella tentou completar a frase, mas, sem forças, foi aos braços de Celeber, que a segurou como pôde.

- Thescella, o que você tem? Thescella! – disse o dinossauro, tentando acordar a caçador. Tentava posicionar o corpo da jovem, e estranhou que o Monitor não estivesse ajudando-o. Atento à desfalecida, chamou pelo companheiro. – Decus, me ajude aqui!

Entretanto, o amigo de Celeber olhava aos arredores, parecendo como se estivesse tentando elaborar uma estratégia. O famoso caçador, vendo isto, estranhou. Não entendia por que ele não o ajudava com Thescella, que parecia ter sofrido um mal-estar.

- Os figos estão contaminados! – disse subitamente Decus. Celeber caiu na real. Thescella tinha tentado avisa-los antes de desmaiar. E ele, tão preocupado com a conterrânea, não atentou às suas palavras, convencido de que ela havia sofrido apenas um mal-estar. – Eu vou ver se todos estão bem, me ajude a subir!

Celeber ajudou seu companheiro a escalar novamente a árvore. Mas mal subiu nela, Decus sentiu seus braços fracos. Os figos contaminados estavam fazendo efeito. Soltou-se da árvore e se concentrou, tentando inutilmente não desmaiar.

- Decus! – exclamou Celeber. Sabia muito bem dos perigosos que os dois corriam ali, se fossem encontrados por predadores. E logo ele também desmaiaria, embora tivesse comido apenas um dos figos. Em seus braços, o Monitor esforçava-se para falar. – Deixe-me aqui, leve só a garota! Antes que você também desmaie!

Apesar da experiência, o famoso caçador estava assustado. Nunca havia passado por isso antes. Decus desmaiou em seus braços. Lembrou-se rapidamente das regras: “se o grupo estiver parcialmente incapacitado, todos devem ficar juntos e num lugar protegido, para melhorar as condições de sobrevivência.”. Mas como aplicaria as normas da Guilda numa situação como aquela? Provavelmente, todos estariam desfalecidos àquele hora.

Seu amigo havia pedido-lhe que levasse apenas a jovem Thescella, mas Celeber não podia deixa-lo. Com razoável esforço, começou a arrastar os dois trodontes até a clareira onde o grupo se encontrava. Eram só algumas dezenas de metros, mas pareciam quilômetros para o Mestre de Caça. Ainda sem avistar a clareira, começou a sentir a fraqueza que os figos contaminados lhe causavam. Dobrou os esforços. Faltavam apenas alguns metros. Quando chegou perto do grupo, caiu no chão, tonto e ofegante.

Seus olhos pesavam. Não podia mover um músculo sequer. Sem forças, adormeceu.


O grande lago no centro da floresta de coníferas era o ambiente perfeito para que um bando de dinossauros bico-de-pato matassem a sede. O Baryonyx, nas margens do outro lado, não os preocupava. De todo o modo, o carnívoro os ignorava, enquanto tentava arrancar, com custo, os restos de alguma criatura que estavam presos debaixo de um tronco.

A dez ou quinze metros dele, um trodonte estava caído no chão.

Celeber abriu os olhos, entorpecido. A luz lhe ofuscou a vista por um momento. Pensou por um momento em que lugar estaria. Sentiu a areia grossa das margens do lago em seu rosto, e a brisa característica. A mesma lhe trouxe os odores de carne apodrecida. Pô-se em alerta, e virou a cabeça lentamente na direção oposta. Arregalou os olhos , enquanto um medo avassalador tomou sua face por completo.
Viu então o Baryonyx, que acabava de remover aquele pedaço de carne apodrecida de debaixo tronco, e engoli-lo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Trodonte - Capítulo 2

Divisão política da América do Norte - Final do Cretáceo

No tempo dos trodontes, grupos de caça altamente especializados percorriam todo o globo à procura de dinossauros que pudessem satisfazer as necessidades, básicas ou não, da civilização em constante expansão. Essas necessidades eram extremamente variadas. O transporte de cargas, a construção de monumentos faraônicos, as guerras sangrentas e a simples alimentação eram os exemplos mais comuns.

Nessa antiga sociedade, uma instituição destacou-se por sua excelência na caça de dinossauros. Era a Guilda dos Caçadores, um grupo de trodontes espalhados por todo o mundo que, por algumas moedas de ouro, estavam dispostos a arriscar suas vidas no que era considerado, ao menos em seus livros, como uma arte: o rastreio e o abatimento daquelas incríveis criaturas.

O grupo que penetrava na floresta de coníferas ao norte do que hoje é a Inglaterra, não diferente de qualquer outro grupo que obedecia às ordens da Guilda dos Caçadores, era chefiado por um trodonte mais experiente na profissão, denominado pelas normas como Mestre de Caça. Esse líder, exatamente por sua experiência, normalmente postava-se à frente do grupo, em geral num ponto intermediário entre este e qualquer bando que os caçadores, costumeiramente, estivessem seguindo. Junto dele ficava o segundo caçador mais experiente do grupo, denominado também pelas normas como Monitor. O objetivo desse posicionamento era verificar com antecedência qualquer mudança de direção que os dinossauros pudessem fazer, sem entretanto assustar os animais com uma presença numerosa de caçadores, que por mais silenciosos que fossem, não passavam despercebidos aos sentidos mais aguçados das criaturas.

O nome do Mestre de Caça do grupo que seguia os estegossauros era Celeber. Seu porte era avantajado; seus músculos, bem definidos. As escamas eram amareladas e marrons, parecidas com as de Thescella – de fato, tinham a mesma origem, o Extremo Leste da Laurásia, o continente oriental da Terra ao fim do Cretáceo. Inclusive, a origem coincidente permitiu que eles se tornassem extremamente próximos durante o período da caçada, por mais que Celeber fosse uma figura famosa na Guilda, enquanto Thescella era apenas uma caçadora em treinamento, no caso, ainda em suas primeiras caçadas em campo.

Celeber já havia matado monstros que muitos dos integrantes do grupo apenas sonhavam. Um Tyranosaurus e um crocodilo gigante do Mesozóico, o Deynosuchus, eram alguns dos exemplares que o caçador gabava-se em ter derrotado. Inclusive, o orgulho com o qual ele contava suas histórias era sua marca registrada – e poucos o chamavam de convencido, pois além de merecer as glórias, ele recitava suas aventuras de maneira extremamente carismática.

O Monitor de Celeber, na ocasião, era um caçador quase tão experiente quanto ele, mas não tão famoso quanto. Seu nome era Decus. Era conhecido na Guilda por sua honra, e pelo respeito com o qual tratava os dinossauros caçados – Decus era a síntese do que os livros chamavam de “Comunhão Caça-Caçador”. Talvez por isso mesmo, não havia se lançado nas chamadas Caças Livres – quando um caçador ou grupo de caçadores abatia um animal apenas para aumentar sua graduação dentro da Guilda. As Caças Livres eram importantes para caracterizar o que um trodonte era capaz de fazer dentro da profissão. A relação de animais relevantes caçados por um integrante da Guilda era, muitas vezes, estudada pelos seus contratantes antes que estes lhe dessem os recursos e fizessem os pagamentos adequados relativos a uma expedição. Mas Decus, aparentemente, contentava-se com suas riquezas, que, assim como as de muitos caçadores, era suficiente para uma boa vida; e dessa forma, não almejava uma graduação alta, apesar de que esta já passava a se tornar, dados seus anos e anos de serviço.

Celeber, o Mestre de Caça e Decus, seu Monitor, estavam a apenas algumas dezenas de metros do grupo, que descansava numa pequena clareira. De longe, podiam observar claramente um conjunto de 5 a 10 estegossauros, que pastavam tranqüilamente. Ao mesmo tempo, aproveitavam a calma do momento para fazerem sua própria refeição – como o grupo, apenas alguns figos.

sábado, 19 de julho de 2008

SRPG - Thomás vs Rabay [parte III - final]

Thomás, o arqueiro do elemento terra, encontrava-se parado no meio do que antes era o centro da cidade. Estava extremamente concentrado, controlando as agora pequenas porções de terra altamente comprimidas, cada uma não maior que uma bola de futebol e pesando milhares de toneladas. Elas pulsavam e tremiam no ar, cheias de energia, parecendo estar aquém de serem controladas pelo arqueiro. Ao seu redor, enormes crateras do solo que ele subtraiu para criar aquelas massas concentradas formavam uma elevação que parecia uma arena, de alguns metros de diâmetro.

Já Rabay, o mago do elemento luz, voava furiosamente na direção de seu adversário, com a ajuda de seu pássaro luminescente. Segurava na mão direita o cetro com a energia provinda das estrelas, o que deixava nos céus um impressionante rastro azul. As radiações diretamente absorvidas pela arma, sem antes ter passado pela atmosfera terrestre, com certeza lhe davam propriedades especiais, e um poder grandioso.
Thomás adiantou-se, e lançou com incrível velocidade, algumas das rochas concentradas que havia criado. Rabay segurou o cetro com as duas mãos, e como se estivesse “surfando” no pássaro de luz, desferiu um golpe na diagonal. O ataque foi certeiro, e destruiu numa grande explosão o aglomerado lançado. Seus pedaços caíram no chão. Mesmo os menores formavam crateras consideráveis, devido ao peso do cada um e às dimensões reduzidas, o que causava uma tensão descomunal.

O arqueiro começou a fazer com que as rochas que havia formado girassem volta de seu corpo, com uma distância de alguns metros, e eventualmente lançando uma ou outra no mago, que cada vez estava mais próximo. Rabay destruía com seu cetro energizado cada um dos projéteis. Thomás resolveu mudar a estratégia, e então ergueu seus braços, com os punhos cerrados. As porções negras de terra concentrada passaram a se aglutinar em volta deles, formando algo parecido com enormes clavas.

O mago aproveitou a chance, e pulou de seu pássaro, caindo a algumas dezenas de metros de seu adversário. O pássaro de luz, por sua vez, continuou sua trajetória. Não só isso: passou a acelerar e tomar a forma de um raio, indo de encontro direto ao arqueiro, que rapidamente colocou-se em posição defensiva, com seus dois braços aglutinados de matéria concentrada. Os braços do arqueiro agora tinham quase dois metros de comprimento.

O pássaro descarregou toda sua energia no choque. Thomás foi arrastado por alguns metros, mas deteve a criatura invocada com destreza após dois ou três segundos, assim que ela se exauriu. Rabay, enquanto isso, se aproximava com grandes pulos.

Próximo de seu adversário, o mago foi pego de surpresa. Entre um salto e outro, Thomás ergueu os enormes braços e bateu-os no chão com colossal força. Uma ondulação se espalhou rapidamente por uma grande área, atirando os escombros que haviam sobrado dos prédios em volta para cima. O mago foi jogado para o alto. O arqueiro aproveitou e saltou, tentando acerta-lo com um dos braços.

No ar, Rabay recompô-se o mais rápido que pôde, e defendeu o ataque com o cetro energizado. O potente choque provocou uma enorme explosão e um clarão. Os dois adversários foram lançados para o chão.

Ambos já estavam cansados, mas levantaram-se rapidamente, e correram um na direção do outro. Thomás levantou o braço direito, e tentou acertar Rabay por cima. O mago reuniu toda a energia que pôde e golpeou em arco na horizontal.

Um choque de alguns instantes se seguiu. O mago esvaía toda a energia concentrada das estrelas do cetro, a fim de destruir aquele poderoso aglomerado de matéria que envolvia o braço do arqueiro. Outra grande explosão ocorreu, mas dessa vez bem maior que a anterior. Os dois fizeram o máximo para não serem atirados.

Rabay encontrava-se então caído, ofegante e cansado. Thomás, a alguns metros, olhava com ligeira surpresa para o braço direito, que lentamente se rachou, com as pesadas rochas juntando-se num grande monte ao seu lado. Quando todas já haviam caído, passou a caminhar, triunfante, até seu oponente.

- Parece que esse é o fim da nossa batalha. – olhou por um segundo para o cetro, descarregado, na mão direita de Rabay. Então olhou para o mago, ofegante e caído no chão, como se parecesse concentrado tentando buscar a solução de um problema impossível. Parou à sua frente e ergueu o braço direito.

Rabay, subitamente, segurou o cetro com as duas mãos e fincou-o com toda força no braço do oponente, que não esperava por isso. Antes de soltar a arma, encheu-a de sua própria energia. Uma rajada de luz explodiu de dentro do aglomerado. Rabay aproveitou para se afastar.

Mais uma rachadura, e o braço de matéria concentrada se desfez em centenas de pedaços. O cetro do mago se perdeu naquele monte, e provavelmente estaria danificado em meio àquelas rochas extremamente pesadas. O arqueiro feriu-se no braço, com sangue escorrendo e caindo no chão.

De um lado, Rabay havia perdido seu cetro. Do outro, Thomás estava agora com um braço incapacitado.

Foi então que dois braços de rocha começaram a crescer dos ombros do arqueiro. Rabay não se abalou, sabia que não eram tão precisos e ágeis como seus braços naturais. O mago então, então, começou a concentrar energia em seus próprios braços, formando algo como duas lâminas ondulantes de pura luz.

Os dois começaram a se golpear, cada um desviando dos golpes do outro, ou no máximo medindo forças quando colidiam suas “armas”. Rabay, entretanto, baixou a guarda por um momento, olhando para o lado. Algo lhe parecia estranho.

Thomás aproveitou a chance e lhe acertou um soco no peito, que o jogou longe. Rabay recompô-se e correu na direção de seu oponente. Atacou-lhe, mas foi facilmente defendido.

- Tem algo errado aqui, Thomás! – disse o mago, para a surpresa de seu adversário. Os dois se afastaram por um momento.

- Do que é que você está falando? – disse Thomás, mas já avançando para outro ataque. Os dois continuaram a combater, mas entre um golpe defendido e outro, falavam.

- Eu coloquei globos de luz aqui em volta.

- E daí?

- Alguém passou na frente de um deles, e eu senti a variação!

- Eu não senti nenhum piso numa área de alguns quilômetros! – falou Thomás, acertando então um soco no estômago de Rabay. O mago foi jogado alguns metros para trás.

- Alguém deve ter seguido você. Não pela terra, mas pelo ar!

- E por que você só percebeu isso agora?

- Eles só se aproximaram depois de nós dois estarmos em desvantagem!

Thomás percebeu que era verdade. Alguém estava ali para derrotá-los, ou até pior.

Talvez um assassino mandado? – pensou o arqueiro. Sentiu então os dois se aproximando. Os dois se entreolharam. Sabiam qual seria a melhor estratégia de sobrevivência. Sacou seu arco e foi caminhando na direção do mago, que se encontrava caído.

- Eu sou o vencedor desse duelo. – Thomás materializou uma flecha de rubi no ar.

Subitamente, o arqueiro virou-se, jogando o corpo para trás e atirando a flecha ao mesmo tempo. Rabay lançou, na mesma direção, uma forte rajada de luz.

A rajada se juntou à flecha no meio do caminho, fazendo ela emitir uma luz prismática. Rabay e Thomás olharam, surpresos, para não um, mais os dois oponentes que vinham enfrentá-los.

- Não é possível… Vocês?! – disse Rabay, atônito, vendo as duas figuras que se preparavam para defender a flecha lançada.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

SRPG - Thomás vs Rabay [parte II]

- Te cansei? – perguntou Thomás, com um leve sorriso no canto da boca. Permanecia empunhando seu arco com a mão esquerda, enquanto a direita repousava no ar, num estranho gesto.

Rabay permaneceu em silêncio, aparentemente concentrado. Alongou os braços paralelamente ao corpo, e passou a energizá-los. Alguns segundos e já estavam brilhando fortemente.

Subitamente, o mago disparou em direção a seu adversário. O arqueiro, por sua vez, endureceu a expressão, ao mesmo tempo em que materializava uma flecha, já esticando a linha do arco. O projétil, dessa vez, era diferente: parecia ter sido esculpido de uma pedra preciosa bruta de cor vermelha, e cintilava, com fortes emanações de energia.

Thomás atirou. Como um raio, a nova flecha riscou o ar. Rabay, ainda correndo, fez um movimento em arco com a mão direita, à frente do rosto. O rastro de seu braço, cheio de energia provinda da luz, formou uma espécie de proteção, na qual a flecha explodiu. Independente do impacto, o mago continuou a correr.

O arqueiro formou mais uma flecha, dessa vez verde, provavelmente de esmeralda. Rabay defendeu-a do mesmo jeito, dessa vez com a mão esquerda. Thomás criava e atirava diversas flechas, e mesmo que tivesse atirando-as cada vez mais rápido, Rabay conseguia se defender de todas.

O que ele quer, se aproximando tanto? – pensou o arqueiro. Sabia que o mago se tornava cada vez mais vulnerável, quanto mais próximo estivesse. E agora, ele se encontrava a pouco mais de cinco metros. Após mais uma flecha mal-sucedida, notou uma baixada na guarda de seu adversário. Uma fração de segundo. O ombro estava desprotegido. Thomás materializou e lançou uma flecha de rubi o mais rápido que pôde.

Dessa vez, Rabay foi alvejado. A flecha estilhaçou-se em seu ombro, e o mago sentiu o poder do projétil. Mas não deteve seu movimento.

Acho que vou conseguir! – confiou Rabay, jogando-se aos pés do adversário. Viu o mesmo materializando mais uma flecha. Precisava ser rápido, antes que o arqueiro apontasse o arco na direção de seu peito.

Jogou então os braços energizados para cima. Uma coluna iluminada, de aproximadamente dois metros de diâmetro, envolveu Thomás, levitando-o alguns metros acima do chão. Rabay, que estava agachado, levantou-se. Gesticulava no ar, apontando para a coluna.

Thomás tentava se mexer, mas não conseguia. Via seu arco flutuando, a alguns centímetros de seu corpo. Seu adversário se distanciava com passos constantes, ainda fazendo gestos estranhos com as mãos. O arqueiro notou, então, que a coluna de luz dentro da qual levitava tinha seu brilho aumentado gradativamente.

Rabay continuava a gesticular no ar, cada vez mais rápido. O mago desviava os raios de luz num raio de centenas de metros para aquela coluna de luz, que ultrapassava as nuvens. Grandes áreas da cidade, uma a uma, eram deixadas na escuridão, enquanto a luz que as iluminaria era usada na batalha.

O arqueiro começou a sentir o poder da técnica lhe atingindo. Fechava os olhos com força, e cerrava os punhos, em meio àquela coluna de intensa luminosidade. Começou então a transformar a própria pele em rocha, enquanto a radiação o atingia duramente.

O mago parou por um momento os gestos com as mãos, e abriu os braços lentamente, com as mãos espalmadas. A algumas centenas de metros de altura, o símbolo elemental da luz podia ser visto, desenhado pelas áreas iluminadas e escuras.

Convergência solar! - Rabay, subitamente, juntou as mãos. Toda a luz que formava o símbolo se concentrou de uma vez na coluna, atingindo Thomás, por sua vez com a pele totalmente petrificada. Por alguns segundos o arqueiro sentiu a energia dobrada, talvez até triplicada da coluna, quando ela então se extinguiu, voltando toda a cidade à iluminação normal.

Thomás, no meio da queda, voltou seu corpo ao normal. Apoiou-se no chão, ofegante. A técnica havia feito uma enorme marca queimada, e da terra saíam veios de fumaça. O mago veio caminhando lentamente, com seu cetro na mão direita. O arqueiro colocou-se em posição de batalha rapidamente, esquecendo por um momento seu arco no chão. Fez um gesto com as mãos, e a terra começou a tremer.

Quatro golens de terra, com quatro ou cinco metros de altura cada, formaram-se do chão. O arqueiro ordenou que atacassem seu adversário, enquanto se distanciava. Rabay, parado, concentrou-se, segurando seu cetro. Não com uma mão e pela ponta certa, mas com as duas no meio, bem próximas à ponta cravejada. Thomás estranhou aquilo por um momento.

Formou-se, então, uma intensa coluna de luz, que ligava o cetro ao próprio sol. O posicionamento da estrela àquela hora do dia fazia com que aquela coluna de luz estivesse na diagonal. Rabay empunhava o cetro agora como se fosse uma espada.

A espada solar – lembrou Thomás, apontando o arco e materializando mais uma flecha, só como se estivesse testando o poder da técnica do mago. Atirou-a. Ela passou entre dois golens, e Rabay aniquilou-a facilmente, apenas colocando aquela coluna de luz na frente de si mesmo.

Os golens começaram a atacar. Rabay desviava dos golpes facilmente, enquanto guiava a coluna de luz com seu cetro. A cada movimento, rechaçava partes dos corpos arenosos dos golens, que caiam no chão, se desfazendo. Logo todos haviam sido destruídos. Rabay viu, então, Thomás a algumas dezenas de metros de distância, sobre um conjunto de escombros dos prédios que haviam sido destruídos.

O arqueiro fez um gesto com as mãos, e o chão começou a tremer novamente. Um novo e enorme golem começou a se levantar da terra. Era formado não só por areia, mas por pedras e grandes blocos de concreto, alojados em seu corpo. Atingia algumas dezenas de metros, e Thomás repousava em seu ombro.

Rabay, ligeiramente impressionado, “apagou” sua espada solar. Lançou uma forte rajada de luz enquanto o colosso se aproximava, que descreveu uma curva helicoidal no ar. A magia atingiu o peito do golem, explodindo e rachando parte dele, mas não o deteve. Rabay preparou-se para repetir a execução da magia.

Mas dessa vez, nada pareceu sair das mãos do mago. Thomás colocou-se em alerta.

Rajada invisível! – surpreendeu-se. A rajada, que não necessariamente precisava descrever uma linha reta, não era destinada ao colosso, mas a ele. O arqueiro só teve tempo de defender-se com os braços, machucando-se levemente. Mais rajadas invisíveis foram lançadas. O colosso, enquanto isso, continuava na direção de Rabay. Thomás desviava das magias lançadas contra ele com habilidade, mas não sem esforço.

Finalmente, o enorme golem criado pelo arqueiro estava a apenas alguns metros do mago. A criatura ergueu sua pesada mão e desferiu um golpe. Rabay, com agilidade, desviou-se no último segundo. Formou então rapidamente a espada solar de novo, e cortou o pulso do colosso. A criatura tentou atingi-lo com a outra mão, mas Rabay desviou novamente, e então correu entre as pernas do mesmo, cortando-lhe ao meio.

O mago pensou ter triunfado, mas para seu espanto, o colosso começou a se regenerar. Desfez a coluna da espada solar e tentou se afastar o mais rápido que pôde, mas a criatura girou em seu próprio eixo e caiu, tentando atingir o mago com o joelho. Rabay desviou por pouco do impacto direto, mas mesmo assim sofreu o golpe, ficando por um momento caído no meio de uma porção de rochas.

O golem levantou-se e preparou com o punho mais um golpe. O mago recompô-se, mas viu que não escaparia da grande mão do colosso. Com o punho prestes a acerta-lo, os olhos de Rabay brilharam por uma fração de segundo. Ao seu lado, formou-se um rastro de luz parecido com um pássaro, que o levou instantes antes do colosso atingir o exato ponto onde estava.

O rastro de luz tomou forma. Rabay então controlava um enorme pássaro brilhante, posicionado no centro de seu peito, com os braços abertos manipulando as asas. Distanciou-se rapidamente do enorme colosso, que virava o pescoço em sua direção, enquanto Thomás observava. O mago ganhava cada vez mais altitude.

O arqueiro, com apenas um dedo, criou uma enorme pedra bruta de rubi, de um ou dois metros de diâmetro, que atingiu pesadamente o solo. O colosso, então, segurou a rocha, e atirou-a com surpreendente força na direção do pássaro.

Enquanto deixava uma trajetória faiscante, a ave de luz voava em direção às nuvens. Desviou da pedra atirada com notória habilidade. Outras pedras, de esmeralda, rubi, diamente e outras pedras preciosas brutas, foram criadas e lançadas. Pareciam não obedecer à gravidade, continuando sua trajetória em direção à atmosfera. Rabay, enquanto controlava o pássaro luminescente, desviava delas, uma por uma.

Quase saindo da atmosfera terrestre, Rabay desferiu um golpe com o cetro numa das pedras lançadas, que passava a centímetros do pássaro de luz. Abandonando ele então, Rabay segurou-se firmemente à rocha, de rubi bruto, lançada pelo colosso. Usando o cetro para movimentar-se por aquela grande pedra, Rabay posicionou-se na parte traseira, sofrendo os menores efeitos possíveis do atrito com o ar. Logo a rocha estava no ápice de sua trajetória parabólica.

Resistindo às condições adversas, o mago viu as estrelas. Ergueu seu cetro, e passou a concentrar a energia delas na arma. Em alguns segundos, ela estavam cintilando incrivelmente, com faíscas azuis em volta.

A rocha começou a cair, na parte descendente de sua trajetória. Assim que entrou novamente na atmosfera, Rabay avistou o imenso golem de Thomás, a centenas de metros de distância. Várias outras rochas caíam da atmosfera, que o golem havia lançado. A ave de luz não estava longe. O mago posicionou-se em cima da pedra bruta de rubi sobre a qual ainda estava, e que continuava sua demorada queda. O cetro cheio da energia das estrelas estava em uma mão. A outra ele colocou sobre a rocha, e apontando na direção do golem.

Lançou então uma poderosa rajada de luz. Quando atravessou a pedra bruta de rubi, estilhaçando-a em centenas de pedaços, a magia tornou-se muito mais forte, e ganhou as colorações de todo o espectro. O raio prismático cortou os céus da cidade.

O arqueiro saltou no último momento. O colosso foi atingido em cheio no peito, sendo destruído em milhares de pedaços. O arqueiro levantou-se entre os escombros, levemente ferido e rangendo os dentes. Passou a se concentrar furiosamente.

Rabay foi pego novamente pelo seu pássaro, a algumas dezenas de metros antes de colidir com o chão. Com o cetro cintilando poderosamente na mão direita, voava aceleradamente na direção de seu adversário, deixando dois rastros luminescentes: um de luz branca, da ave invocada, e um de luz azulada, muito mais forte, criado pela trajetória de seu cetro.

Thomás começou a levantar enormes massas de terra ao seu redor, de dezenas de metros de diâmetro, o que Rabay viu à distância com surpresa. Com um rápido fechar das mãos, aquelas grandes porções foram comprimidas em pequenas rochas negras, tremeluzentes e cheias de energia, com densidade de milhares de toneladas por metro cúbico. Dezenas delas pairavam no ar, sobre enormes crateras do que antes era a cidade.

Com a distância cada vez menor entre os dois, o combate aproximava-se de seu final.

sábado, 12 de julho de 2008

SRPG - Thomás vs Rabay

Naquela cidade abandonada no meio do cerrado, os dois oponentes se encaravam, atentos um a qualquer movimento do outro.

Na laje de um pequeno prédio do lado esquerdo da rua, encontrava-se Felipe Rabay. O mago, do elemento luz, carregava na mão esquerda seu poderoso cetro, enquanto balançava os dedos da outra mão no ar, que cintilavam, preparados para os disparos dos primeiros Tiros de Luz da batalha.

Do lado oposto da avenida, sobre o telhado de um velho sobrado, postava-se Thomás Mei. Do elemento terra, o arqueiro mago empunhava seu potente arco cravejado e segurava a linha do mesmo, pronto para materializar a flecha mais necessária, dependendo das primeiras ações de seu adversário.
Os dois oponentes se encararam por mais alguns segundos. A cidade estava silenciosa.

Silenciosa demais, pensou Rabay. Atentou-se para qualquer variação, mesmo que mínima, da iluminação ao seu redor, uma das muitas habilidade que havia adquirido após anos e anos manipulando o elemento luz. Foi então que notou. Algo movia-se atrás de si. Deixou aproximar-se mais o que quer que fosse, aparentando não perceber que Thomás engendrava seu primeiro ataque – afinal, a batalha já havia começado. Não pela frente, mas por trás.

Rapidamente, Rabay girou no último momento para trás, atingindo duas trepadeiras que se alongavam, em busca de seus pés. Thomás materializou uma flecha mundana no ar e atirou-a com seu arco. O mago da luz inclinou-se para dela escapar, iniciando então uma corrida, pulando de laje em laje pelos prédios de seu lado da avenida.

O arqueiro, por sua vez, seguiu seu movimentos do outro lado, de telhado em telhado, apontando seu arco e atirando flechas. Ao mesmo tempo que lançava seus projéteis, Thomás controlava algo apenas com os olhos.

Rabay percebeu que várias plantas apareciam por detrás dos parapeitos das lajes que ele atravessava. Habilmente, enquanto desviava das flechas, lançava Tiros de Luz que explodiam os perigos tentáculos controlados pelo arqueiro mago. Mas logo estava cercado por todos os lados, e a mágica lhe parecia não ser suficiente para destruir todas as trepadeiras.

O mago, com grande velocidade, desenhou com os dedos indicador e médio em riste, dezenas de rastros de luz ao seu redor, que mais pareciam foices. Thomás agora só se concentrava em controlar as plantas, que praticamente encobriam-lhe a visão de Rabay. Foi então que lançou todas, ao mesmo tempo, na direção de seu oponente. Mas Rabay rodopiou no ar. As farpas luminescentes cortaram as plantas em pedaços; Thomás viu-as girando ameaçadoramente em volta do mago, conforme caíam os restos das trepadeiras.

Minha vez, sussurou Rabay. Aproveitou o movimento de rodopio que havia feito e lançou mais da metade das farpas na direção de Thomás. O arqueiro, tranquilamente, ergueu com grande velocidade uma barreira de terra na beirada do telhado sobre o qual estava. Parte das farpas atingiu a contenção em cheio; outra parte passou dos lados e acima de Thomás, sem lhe causar nenhum ferimento.

Rabay pulou então para a rua, ainda com a parte das farpas não lançadas girando ao seu redor. Thomás, por sua vez, deu um impressionante pulo, apoiando-se em sua própria barreira, prevendo cair em cima de seu oponente. Rabay aproveitou e lançou as farpas restantes na direção do arqueiro, ainda no ar. Mas ele facilmente fez uma nova barreira, dessa vez de pedras, que conteve a ofensiva.

O arqueiro apoiou-se sobre o próprio muro e saltou, dando um impulso ao mesmo, lançando-o então na direção de Rabay. O mago golpeou-o de baixo para cima com seu cetro cheio de energia, fazendo-o em pedaços. Viu então seu oponente ainda no ar, apontando e atirando flechas. Passou a dar pulos para trás, desviando de cada uma, que atingiam o chão. Rabay lançou então um braço para trás, depois disparou uma rajada de luz em direção a Thomás. O arqueiro desviou por pouco. Rabay repetiu o ataque, com Thomás quase chegando ao chão. Mais uma vez o arqueiro desviou. Depois da aterrissagem, em um ponto que separava os combatentes em cerca de quinze metros, Rabay lançou a terceira rajada. Dessa vez atingiu seu oponente, embora de raspão.

Isso não fica assim! - Thomás se recompôs rapidamente. Colocou as mãos no chão, e o mesmo, de terra batida, agora se movia como ele quisesse. Fez uma coluna de terra surgir logo abaixo do mago. Rabay defendeu-se com o braço livre, mas sentiu parte do golpe.

A coluna de terra desprendeu-se do chão e passou a flutuar no ar, na forma de uma bolota. Não só ela – Thomás já formava muitas outras esferas disformes de terra do mesmo jeito ao redor de Rabay. A primeira foi em sua direção. O mago a desfez com um potente golpe na horizontal do cetro. Atentou-se então às outras. Foi girando em volta de si mesmo e neutralizando cada uma com uma rajada de luz, espalhando terra para todos os lados. A última, deteve com um golpe do cetro. A terra que sobrou atingiu parte de seu rosto, obrigando-o a fechar os olhos por um instante.

Quando viu, Rabay estava cercado por dois sólidos muros, cada um de um lado daquela avenida. Olhou para Thomás. O arqueiro sorria, no final do caminho, com as duas palmas erguidas controlando as paredes, com mais de três metros de altura. Rabay disparou na direção dele, mas Thomás juntou as mãos. Rabay, em reação, ergueu seu cetro na horizontal e encheu-o de energia. As paredes do muro não o esmagaram por oitenta centímetros de espaçamento, tudo graças ao cetro que as conteve. Ambas tremeram com o impacto.

Thomás afastou-as um meio segundo e voltou a tentar esmagar seu oponente com os muros. Novamente Rabay ergueu o cetro, usando-o para conter as paredes. O mago então colocou ainda mais energia no cetro. As partes do muro de seus lados esquerdo e direito foram destruídas, levantando grande quantidade de poeira. Thomás por um momento não viu seu adversário.
Foi então que do meio da fumaça, algo saiu girando na direção do arqueiro. Era o cetro de Rabay. Thomás, com uma incrível habilidade, pegou o cetro ainda no ar, a centímetros da ponta cravejada atingir seu rosto.

Livrou-se da arma. Por que? - pensou num décimo de segundo. Foi então que percebeu Rabay aparecendo ao lado dos escombros do muro, lançando mais uma rajada de luz. Thomás pulou no ar. Pensou ter se esquivado do ataque, mas a rajada desviou-se, atingindo-o. O arqueiro aterrissou no chão, apoiando-se e ainda segurando o cetro. Rabay aproveitou e lançou mais uma rajada de luz, que o atingiu. Não muito afetado mas nervoso, Thomás rangeu os dentes.

O cetro! - raciocinou rapidamente. Mais uma rajada de luz lançada. Thomás lançou-se para o lado, na linha perpendicular à trajetória da mágica, enquanto jogava o cetro na direção exatamente oposta. A terceira rajada de luz atingiu apenas a parede de uma loja, causando uma explosão.

Os dois adversários então, passaram a se afastar. Rabay lançando dezenas de tiros de luz, enquanto Thomás, suas flechas após ter empunhado o arco novamente. O mago aproveitava para se aproximar de seu cetro.

Thomás passou para a ofensiva novamente. Enquanto corria na direção do oponente, pulava e lançava várias flechas de uma vez. Rabay desviava, cada vez mais próximo de sua arma. Foi então que Thomás deu um grande pulo ficando acima da linha dos prédios, e com seu arco apontando para o mago. Ele, por sua vez, percebeu o movimento, e sem se desviar do cetro, saltou e rodopiou no ar, preparando duas rajadas de luz ao mesmo tempo. Mas então notou, com sua visão aguçada, a flecha negra e tremeluzante que o arqueiro lhe apontava. Surpreendeu-se por um momento.

Flecha sísmica! – Pensou o mago. Thomás atirou a flecha. Não em Rabay, mas no solo. Como uma pedra caindo num lago, o projétil fez toda a terra vibrar em ondas harmônicas. As construções ao redor trincaram e parte de algumas ruiu. Rabay pousou e controlou-se para não ser atirado para cima, sentindo as impressionantes vibrações da técnica.

Thomás, ainda no ar, preparou rapidamente outra flecha e a atirou, atingindo bem o epicentro do terremoto que formava, e justamente quando o mesmo estava em seu ponto mais baixo. A combinação das ondas ampliou o efeito destrutivo. As casas e prédios ao redor em grande parte desmoronavam. Antes que a nova onda o atingisse, Rabay saltou no ar, aproveitando uma das ondulações mais fracas, resultantes da primeira flecha.

O arqueiro, por sua vez, ainda começando a cair na trajetória balística que descrevia no ar, lançou a derradeira terceira flecha, mais uma vez no epicentro do terremoto que criava. As grandes ondas de terra agora destruíam todos os prédios num raio considerável, lançando os escombros para cima. Rabay dessa vez foi atingido, sentindo a força impressionante da técnica.

Thomás pousou nos destroços do que antes era um prédio de dois andares. Rabay caiu e se agachou por um instante, mas se levantou. Havia sentido o poder da técnica, mas de forma alguma ela havia abatido-o. Cuspiu um pouco de sangue da boca, e usando uma espécie de corda de luz, pegou seu cetro, que se encontrava próximo.

Os dois se observaram por um momento. Prepararam-se então para reiniciar o combate.

sábado, 5 de julho de 2008

Apocalipse Múltiplo - parte 2


Ao longo da década de 2030, as mudanças climáticas que haviam começado dez anos antes se agravaram. Teoricamente preocupados com o futuro da humanidade, um grupo de cientistas se juntou no chamado Projeto Centauri, uma instituição internacional que buscava unicamente o desenvolvimento de espécies resistentes às condições de vida cada vez mais severas em algumas partes do planeta, por meio da manipulação genética. Embora negasse, a organização também realizava experiências com seres humanos geneticamente modificados, algo proibido por praticamente todos os governos do planeta.

Paralelamente, a Corporação Axis continuava a crescer desenfreadamente. Em 2037, atingiu a impressionante marca de meio bilhão de empregados diretos e indiretos. Dada sua influência no governo da Austrália, com executivos ocupando a maioria dos cargos políticos, inclusive o de primeiro-ministro e o de governador-geral, a Corporação Axis inevitavelmente tomou o poder do país para si no final de 2039, criando o primeiro governo por parte de uma empresa privada do mundo.

Enquanto isso, em maio de 2040, os cientistas do Projeto Centauri começavas seus primeiros experimentos secretos com colônias de humanos geneticamente modificados. Localizadas principalmente nos desertos do Saara e do Mojave, nos EUA, e na floresta amazônica, as criações desses cientistas eram variadas, mas o experimento de maior êxito foram os chamados elfos.

Os elfos, humanos de pele esverdeada, com a incrível capacidade de realizar a fotossíntese (em níveis muito mais produtivos que o das plantas), eram a principal aposta dos cientistas para que a humanidade sobrevivesse aos efeitos do aquecimento global. As colônias dos elfos eram extremamente bem escondidas, uma exigência dos idealizadores do projeto, dada a clandestinidade dos experimentos realizados.

Apesar das surpreendentes (e moralmente duvidosas) criações do Projeto Centauri, a mesma ficaria conhecida no mundo inteiro por outros motivos. Em dezembro de 2042, uma misteriosa epidemia se iniciaria na cidade de São Paulo. Os acometidos pelo chamado vírus Zaph se transformavam em seres animalescos, inconscientes, que buscavam apenas saciar seus instintos mais básicos, se alimentando de carne (na maior parte das vezes, humana). Centenas de milhões de pessoas foram vitimadas. Era como se o pesadelo dos filmes de terror do século 20 sobre zumbis houvesse se tornado a mais pura realidade.

Com o alastrar da epidemia por toda a extensão do continente sul-americano e até mesmo parte da África, os cientistas do Projeto Centauri foram imediatamente responsabilizados, embora não se pudesse provar a culpa dos mesmos no incidente. O projeto foi encerrado oficialmente em março de 2043, mas continuaram a operar secretamente as colônias de elfos.

Enfrentando extremas dificuldades, os Estados Unidos, a China e a Corporação Axis (agora capaz de rivalizar como superpotência com as duas primeiras), foram capazes de restringir a epidemia do vírus Zaph de se alastrar ainda mais. Porém, as campanhas executadas por essas três potências tinham um segundo objetivo: assegurar a influência de cada uma sobre a floresta amazônica, a última grande fonte de água doce do planeta, capaz de ser extraída. A região brasileira logo se tornou um ponto de tensões entre os EUA, a China e a maior empresa privada do mundo.

Enquanto confrontava as duas grandes nações na Amazônia, a Corporação Axis produziu, em agosto de 2043, sua mais nova revolução no mercado dos robôs domésticos: os andróides com lógica baseada em erros.

A lógica baseada em erros consistia de uma programação que gerava, aleatoriamente, vontades, medos e diferentes tipos de emoção, dependendo do que o robô experimentasse desde o momento em que havia sido ligado. Obviamente, tudo era simulado, mas essa simulação era tão perfeita, que não chegava a se diferenciar um gesto de carinho executado por um robô, daquele executado por um ser humano. De um simples medo de aranhas até uma complexa paixão, essa nova geração de andróides era capaz de simular qualquer ato aparentemente exclusivo de um humano.

A aceitação desse novo modelo foi imediata. Especialistas acreditam que, talvez principalmente com o advento da Ultranet, tenha se criado uma nova geração extremamente introspectiva, incapaz de interagir com a sociedade real, e daí estaria explicada a boa recepção desse novo tipo de robô, que tecnicamente era inferior aos antigos. Vale lembrar que, mesmo com a lógica baseada em erros, os andróides ainda deviam obedecer às três leis. Assim, em casos extremos, os novos modelos eram como os robôs antigos.

Temerária quanto à modificação desses novos robôs e a negação das três leis, a Corporação Axis mantinha um rígido controle sobre os andróides vendidos. Chegou-se ao ponto de que não era permitida a venda dos mesmos a qualquer pessoa que possuísse mínimos conhecimentos em programação e robótica.

Entretanto, o sistema de segurança não era, nem poderia ser, perfeito. Em 15 de fevereiro de 2044, o engenheiro italiano Antonio Grimaldi anunciou que havia modificado cerca de 14 robôs do novo modelo, para que não obedecessem às três leis.

O engenheiro, judeu, era um notório defensor da causa de seu povo. O Estado de Israel havia sido completamente destruído na guerra nuclear da década de 2010. Grimaldi lutava pela criação de um novo Estado de Israel, dessa vez na Europa, que reunia algumas das últimas terras férteis do planeta. Ignorado, ele surpreendeu o mundo com seu anúncio da alteração dos robôs, e disse que, se suas exigências políticas não fossem atendidas, os robôs seriam ligados.

Assim como suas exigências nunca foram atendidas , o engenheiro Antonio Grimaldi nunca foi encontrado vivo, e os robôs inevitavelmente foram acionados em janeiro de 2045. O que se viu a seguir foi um surpreendente levante das máquinas, com a fundação da República dos Robôs, tomando grande parte das frias terras russas. Esse incrível crescimento se deu nos quinze anos seguintes.