sábado, 16 de agosto de 2008

Engenheirices I - A ponte pênsil e o trem-bala

Bom, esse é o primeiro post de uma série não-seqüencial de alguns sobre coisas, fatos, histórias e relatos que eu eventualmente achei incrivelmente interessantes da engenharia civil, e que eu gostaria de compartilhar aqui com vocês.

Começo então com uma pergunta: por que um trem-bala não pode atravessar uma ponte pênsil em alta velocidade?

Primeiro, vou explicar como funciona uma ponte pênsil. Não é nada muito complicado e eu me surpreendi com a genialidade e simplicidade no funcionamento dessa estrutura.

Antes das primeiras pontes pênseis, a construção de uma estrutura que atravessasse um rio era extremamente complicada e dispendiosa. Devia-se erguer diversos pilares para sustentar a ponte, e além disso, às vezes era preciso efetuar as fundações em solo mole, em alguns casos instável. O vão (distância entre lances de pilares consecutivos) possível de ser atingido era consideravelmente pequeno.

Isso ocorria, principalmente, porque nas pontes antigas se contava com a resistência à compressão (o ato de exercer forças contrárias “esmagando” o material) dos materiais (concreto, pedras, tijolos). Todos eles, principalmente o concreto, são bastante resistentes à compressão, mas chegou-se num ponto que mesmo essa alta resistência não era suficiente para as distâncias que as pontes e a profundidade dos pilares das mesmas tinham que ultrapassar (fazer um grande número de pilares, e todos eles muito grossos para resistir ao próprio peso e ao da ponte em si, se tornava extremamente caro).

Já o aço apresentava-se como uma opção alternativa ao concreto. Comparando em termos de tração (o ato de exercer forças contrárias “rompendo” o material), o aço é incrivelmente superior ao concreto. Ou seja, um cabo, ou mesmo uma barra de aço, sustentaria uma carga pendurada nela, enquanto uma coluna de concreto não agüentaria a mesma carga. Na realidade, o aço também é mais resistente à compressão que o concreto – só que nesse caso, você precisa de uma área considerável de aço, o que acaba tornando inviável o uso do material devido a custos, o concreto se torna uma opção bem mais barata.

Em resumo: o aço é conveniente quando é só puxado, enquanto o concreto é conveniente quando é só comprimido.

A ponte pênsil é a expressão dessa eficiência, de cada material trabalhando do melhor jeito possível.


Analisando esse desenho, é possível ver como a ponte funciona. Cada um desses retângulos representa uma seção do tabuleiro, o “corpo” da ponte. Essas seções são sempre comprimidas pelas suas “vizinhas” na direção horizontal. Já com os cabos (que só transmitem esforços nas suas direções), vejamos o que acontece:

As forças em vermelho são apenas representativas, sendo decompostas nas direções x e y (vetores em preto).

O cabo mais à direita, na horizontal, está sendo tracionado. O cabo na vertical, que sustenta (também sendo apenas tracionado) uma seção da ponte, transfere sua carga: parte dela vai para o cabo na horizontal, e parte vai para o cabo inclinado (setas para baixo). A força que o cabo inclinado faz (em vermelho, e na sua própria direção!) resulta numa reação no cabo na horizontal, que equilibra tanto a parte da carga que veio da ponte quanto a força horizontal.

No lance seguinte de cabos, inclinado, acontece a mesma coisa. As forças são equilibradas pelo próximo lance, que está ligeiramente mais inclinado. E assim por diante.

Muitos lances depois, temos o resultado final: os cabos em arco da ponte pênsil. As forças (na vertical – as forças na horizontal são equilibradas pelos cabos do outro lado!) são transferidas para os grandes pilares da estrutura.

Agora, por que o trem-bala não pode atravessar a ponte pênsil em alta velocidade. Dado o caráter da ponte, do concreto funcionar à compressão e os cabos de aço funcionarem apenas à tração, as seções do tabuleiro não são perfeitamente rígidas, e sim vinculadas por articulações (a natureza dessas articulações é algo muito curioso também, mas que infelizmente não vai dar tempo de explicar agora). Ou seja, todo o tabuleiro é, à grosso modo, como se fosse uma “ponte de plaquinhas” ligadas como dobradiças.

Se o trem-bala passasse a toda velocidade, o próprio peso do mesmo faria as seções “afundarem”, mesmo que só um pouco. Mas seria o suficiente para o trem se arremessar na inclinação gerada por ele mesmo, se estivesse numa velocidade muito alta, característica do veículo.

9 comentários:

Thomás disse...

Eu não sou o senhor que comenta as coisas mais interessantes da terra, mas não tinha coisa melhor a postar? Pergunta que você me fez outro dia. Só estou voltando ela.

Mas é isso ai. Isso é informação. Conhecimento sempre é bom, embora raramente eu vá usar esse tipo de conhecimento.

Mas é sempre bom compartilhar.

Parabéns pelo post.

Anônimo disse...

Rabay, genial como isso funciona!

Acho muito legal você compartilhar esses conhecimentos. Mesmo que a gente não use na prática, é algo a mais para pensar e desenvolver outros tipos de raciocínios. Por ter uma convivência com pessoas como você (criativas e com esse lado exatóide muito forte), eu sempre tenho algo a mais para falar nas conversas com o pessoal da faculdade, por exemplo. Não que eles se importem com isso, mas eu acredito que um pouco mais de outros tipos de inteligência é sempre benéfico =)

Eu nem sabia, por exemplo, que essa ponte tinha um nome (e hoje eu li certo, lol).

Eu tenho uma dúvida (talvez seja bem idiota, mas eu não sei a resposta, então pergunto pra quem eu acho que sabe xD): Como o Masp se sustenta? Tem um grande vão abaixo e aqueles pilares das extremidades parecem frágeis perto do que tem acima. o.O

Obrigada pelas informações que você coloca aqui =)
Parabéns pelo post!

dmariano disse...

Uhmmm....devo dizer que ficou um post muito bom e sem muitas frescurites técnicas que poderiam torna-lo cansativo.
Gostei do post devo dizer e discordo do Thomassobre ter coisa melhor para postar, ficou interessante esse post.

Posso trocar o concreto por palitos de sorvete e o açopor barbante e fazer uma mini-ponte? XD

E bem, sobre o Masp da Bianca tambem não sei como funciona, mas isso que torna ele uma obra arquitetonica especial..xD

Anônimo disse...

Não acho que o Thomás disse que não tinha coisa melhor pra postar (em tom de crítica), mas apenas era uma frase meio fora do contexto e que não deu pra entender ainda =P

Nefelibata disse...

Bom, eu acho que preciso voltar para o Cursinho, porque não entendi bem XD

Mas entendi que o Thomás deu o troco no Rabay por algum assunto passado, hehehe.

Eu achei o tema interessante, mas honestamente, não entendi XD Estou tentando me virar com o que aprendi previamente... digo, sei o que é tração, compressão e tudo o mais. Mas não entendi a descrição do processo... nem porque o trem não poderia passar.

O que eu entendi é que se ele passar, a ponte quebra. De outra forma, não teria razão para não ser "permitido" que ele passasse lá rapidamente. Mas fisicamente, não captei como isso funciona. Não consegui montar uma imagem e tals... o que me deu a impressão de que, embora o post tenha sido bom (digo, eu li com curiosidade do começo ao fim), talvez não seja conveniente fazê-lo em uma hora...

Mas, enfim, como parece que só eu não consegui visualizar todo o esquema, deixa para lá XD

Nefelibata disse...

Ah, e muito boa a nova diagramação \o/

Nefelibata disse...

Desculpe importuná-lo de novo... mas não seria "Engenheirices"? XD

Rabay disse...

@Bibi: Valeu pelos elogios, mas acho que eu sou mais um cara que se empolga fácil que qualquer outra coisa, heheh.

A sustentação do vão do MASP rende um post outro dia (aliás, obrigado pela sugestão)! Mas em poucas palavras, o vão do MASP por vigas de concreto protendido, que é basicamente o princípio de se segurar um monte de livros empilhandos, em linha, somente com as mãos. Comprimindo-os, você acaba equilibrando o peso deles.

@DJ: Dá pra tentar fazer uma mini-ponte sim heheheh, só que tem que alinhar muito bem os palitos de sorvete pra eles só funcionarem à compressão =P

@Thiago: É, acho que a explicação do equilíbrio estático ficou um pouco confusa, é meio difícil explicar por aqui mesmo.

Acho que o que você não conseguiu visualizar é que a ponte não é totalmente estática. Quando o trem passa em cima dela, o peso adicional faz com ela se deforme, principalmente pela natureza dos cabos de aço e das articulações que compõem toda a ponte. Numa ponte de concreto, que é mais rígida, não há esse problema pois ela não se deforma tanto (lembrando que esse "tanto" que estamos falando é muito pouco para nós, às vezes coisa de centímetros).

O perigo em questão não é da ponte quebrar não, e sim ela se deformar pelo trem-bala de um jeito que crie uma "vala" no centro de seu vão. A inclinação ascendente dessa vala é perigosa para o trem, pois dada a altíssima velocidade em que ele viaja, corre o risco de descarrilhar.

E fiquei pensando se escreveria com ss ou c o título por um bom tempo, heheheh. Realmente parece mais certo com c, vou corrigir.

Márcio Closs disse...

Este assunto é muito bom, pois gosto muito desta área. Sou muito curioso em saber como são feitas estas construções.