sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O valor de uma vida humana


Imagine que duas pessoas estão correndo risco de vida, e que você só possa salvar uma delas. Quem você salvaria? Que características afetariam sua escolha?
É claro que, se esse experimento mental que estamos fazendo fosse real, a escolha seria muito mais afetada pela tensão do momento, e pelas nossas instáveis emoções. Esse não é o ponto do texto. Quero pensar em qual seria a melhor decisão racional num caso desses, a decisão não afetada pelo calor do momento.
O senso comum nos diz que, na maioria dos casos imagináveis (em termos de combinação de nossas duas "vítimas") é uma decisão extremamente cruel, que muitos optam por não fazer. De fato o é. Exceto para alguns casos, por exemplo, o que estão envolvidos uma criança e um adulto (a prioridade acaba se tornando a criança, segundo nossos valores éticos e morais), qualquer escolha de parâmetro de diferenciação pode ser considerado equivocado. Pensando num caso parecido: se um idoso e um adulto corressem risco de vida, quem você salvaria? Quem defendesse o salvamento do idoso poderia alegar que ele deve ser priorizado justamente pela sua idade avançada; quem defendesse o salvamento do adulto, poderia sugerir que o idoso estaria próximo da morte, e o adulto "teria mais vida pela frente".
Eu acredito que os valores que geralmente são considerados são muito subjetivos, e justamente por isso entram tanto em conflito. O que eu quero sugerir é: seria possível determinar valores para as vidas das pessoas, a fim de tornar essa análise "mais fácil"? Em suma, seria possível determinar o valor de uma vida humana?
Mas que parâmetros seriam utilizados nessa determinação?
Embora isso possa parece assustadoramente materialista, o que eu sugeriria (mas não exatamente defenderia) como variável para determinar o valor da vida de uma pessoa giraria em torno do quanto ela pode produzir. Não só no tempo presente, mas durante toda a sua vida futura.
Lembrando novamente do pensamento racional no caso, então estamos ignorando, de certa forma, nossos valores éticos e morais - só porque eles entram exageradamente em conflito num caso desses. As duas pessoas que estão "em perigo" em nosso exercício não tem nada a ver com nós. Qual seria a única influência dessas pessoas em nossas vidas? Poderíamos entender que estas pessoas apenas influenciam a sociedade em que vivemos, com aquilo que elas produzem. Elas são "apenas" duas adições diferentes ao PIB do nosso país, todo ano.
Se seguirmos essa linha de pensamento, poderíamos fazer algumas comparações, indo para diversos pontos.
O primeiro seria a comparação entre a criança e o adulto - a criança ganha pois tem muitos anos de vida mais pela frente (probabilisticamente falando) que o adulto. Ou seja, ela pode produzir mais para a sociedade em geral, em termos absolutos, que o adulto, que já produziu parte do que poderia produzir em sua vida. Entretanto, se pensarmos a curto prazo, o adulto produz mais que a criança, que ainda precisa completar sua formação (ou mesmo tê-la) até ser produtivo para a sociedade.
Outro caso, mais polêmico, seria comparar uma pessoa instruída, com outra não instruída. A pessoa com, vamos supor, um diploma acadêmico, seria teoricamente mais produtiva que aquela que só tivesse o Ensino Fundamental completo. Poderíamos usar o salário desses indivíduos como indicador do quanto ela pode produzir para a sociedade (embora isso possa não ser muito preciso). Não se trata de um pensamento elitista - se vivêssemos num mundo ideal, com as mesmas oportunidades para todos, aqueles que tivessem mais quantidade de conhecimento acumulado (ou seja, pudessem produzir mais para a sociedade como um todo), ainda assim teriam suas vidas "valendo mais".
Se compuséssemos todas essas considerações (o que é bem difícil), teríamos um modelo de quanto valeria a vida de cada pessoa. Baseando-se em quantos anos de vida ela tem (e, complementarmente, quanto tem pela frente, fazendo uma análise probabilística de sua vida futura), na quantidade de conhecimento acumulado, no seu estilo de vida, etc, poderíamos criar esse modelo, tudo girando em torno do que essa pessoa é capaz, no futuro, de gerar para a sociedade.
Essa análise pode parecer demasiado fria (e na verdade é), mas me pergunto se pensar assim não estaria "em vigor", sem nos darmos conta disso. Lembro-me de um caso que exemplifica bem essa linha de pensamento.
Durante a Primeira Guerra Mundial, surgiram os primeiros aviões de combate (e isso pouco tempo depois do avião ser inventado). Os pilotos não tinham nenhuma forma de ejetar dos aviões caso estivessem prestes a cair. Hoje em dia, para os pilotos de caças, esse sistema é bastante comum. O que mudou? Os generais e engenheiros militares tornarem-se mais conscientes? Na verdade, o que aconteceu é que houve uma valorização grande do piloto - enquanto qualquer um seria capaz de pilotar uma das máquinas voadoras do começo do século 20, um caça exige anos de estudo e treinamento. As autoridades não podem se dar ao luxo de perder um piloto de caça - ele é experiente demais. Há valor agregado à ele, pelos conhecimentos adquiridos. É possível traçar um paralelo com o caso do indivíduo instruído e o não instruído a partir dessa situação.
O que quero, com esse texto, não é defender a adoção desses parâmetros para definir o valor da vida das pessoas. É apenas pensar se não faria sentido esse raciocínio, de certa forma.

8 comentários:

Bianca Hayashi disse...

Quando eu vejo testes com: o que você salvaria, o idoso ou a criança, meu primeiro pensamento é: salve-se primeiro e cada um cuide de si.

Não é um pensamento muito nobre. Mas quem disse que pensamos nisso quando estamos em perigo? Uma vez, no colégio, uma árvore muito alta começou a pegar fogo (alunos colocaram fogo na árvore sabe-se lá porquê) e correu o boato de que tinha o perigo de tombar. A árvore ficava bem na janela da minha sala. Eu devia ter uns 10 ou 12 anos na época e lembro que a professora gritou FOGO. E saiu correndo. Ela abandonou 30 crianças na sala e saiu correndo. E quem pode julgá-la? Ela deveria ter ficado ou deveria ter ajudado os alunos? Eu peguei minhas coisas e saí da sala. Lembro que pensei: "a árvore vai demorar pra cair, já que estão abandonando o prédio, vou junto. E até pode cair na sala, mas não vai matar ninguém". Se ia ou não, não se sabe. Sei que até hoje a árvore está firme e forte plantada.

E, pensando friamente, se estivermos em uma comunidade onde prioriza-se o bem estar de todos e tivéssemos de fazer sacrifícios, provavelmente os que ficariam seriam os mais inteligentes, corajosos, dotados de virtudes. Provavelmente até por isso que mulheres e crianças sempre foram as vítimas preferidas (e note-se que não defendo essa posição. Historicamente, mulheres sempre foram consideradas o sexo frágil).

E, entre os animais, os filhotes que não nascem "perfeitos" são abandonados à própria sorte.

Mas temos que pensar como humanos que somos. Não vivemos apenas decidindo o que fazer na vida por meio de gráficos e estatísticas; agimos, muitas vezes, de modo subjetivo; querendo ou não somos muito movidos por emoções. Talvez a nossa lógica diga que devemos salvar a criança e não o idoso, porque a criança tem uma capacidade a ser desenvolvida e o velhinho está perto da morte, mas e se o idoso for seu pai e a criança for um meliante que acabou de te assaltar? Seres humanos são muito mais complexos do que os números podem/tentam aparentar.

Rabay disse...

Então bibi, com relação ao idoso e à criança, o que eu quis supor nos casos é que sempre seriam duas pessoas que nada têm a ver conosco, pessoas que provavelmente nem conhecemos, mas que temos que decidir por elas. Mais para ilustrar a solução racional que poderia ser adotada.

Sobre se devemos agir de modo subjetivo. Na nossa vida diária de fato não decidimos por meio de gráficos e estatísticas, nosso emocional está atrelado fortemente. Mas e na vida em sociedade? Será que não haveria esse atrelamento? Quando milhões (e porque não bilhões) de pessoas estão sendo afetadas, pode ser que investir no que for mais produtivo de maneira geral para a sociedade seja a saída mais humana, no final das contas. Ou também não, é bem complicado.

Rabay disse...

Só uma correção, eu quis dizer "Teoricamente o que aconteceria não é que NÃO haveria um atralamento?" em vez de "Será que não haveria um atrelamento?" no comentário acima. =P

Fabiana disse...

"O que eu quero sugerir é: seria possível determinar valores para as vidas das pessoas, a fim de tornar essa análise "mais fácil"? Em suma, seria possível determinar o valor de uma vida humana?"

A resposta é "não".

"Lembrando novamente do pensamento racional no caso, então estamos ignorando, de certa forma, nossos valores éticos e morais - só porque eles entram exageradamente em conflito num caso desses.".

Ignorando nossos valores morais, o que resta?

Não posso deixar de comentar que o exercício mental do texto me parece válido (afinal, qual não seria?).

Fabiana disse...

Ops, esqueci de colar um trecho que deveria estar após "A resposta é 'não'".

Ignorando nossos valores morais, o que somos? Uma máquina biológica?
O Rabay que escreveu o texto comentado não é somente uma máquina biológica; querendo ou não, há impressões subjetivas em seus argumentos. Somos maquininhas, mas temos experiências em determinados contextos.

Rabay disse...

Mas será que a resposta definitiva é "não" mesmo? Como eu citei, temos o caso dos pilotos, que de certa forma, o "valor da vida" deles ultrapassou um certo patamar ao longo do tempo, de forma que fosse compensado o custo de um sistema de ejeção nas aeronaves.

Quero dizer, sendo politicamente corretos, diríamos que as vidas não tem valores diferentes, mas na prática teriam. Outro exemplo: porque os investimentos na educação básica são os maiores, a ponto de um terço dos recursos serem alocados pra isso? Não será porque é investindo nessa área que se têm mais dividendos para a sociedade? Ou seja, de um modo geral, as vidas das crianças "valeriam mais" para a sociedade, em termos de produção?

Ignorando os nossos valores morais, eu acredito que acabe sobrando esses tipos de lógica, do maior bem que possa ser feito pela sociedade. Que de certa forma acaba voltando para nós mesmos, mesmo que de maneira imperceptível.

Se eu posso estar sob influências nos meus argumentos, é bem provável que sim. Mas não se preocupem, que eu não exatamente defendo essas linhas de pensamento, é mais pela teoria em si.

Fabiana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabiana disse...

Acredito que não seja possível determinar valores para a vida das pessoas pois como defendi anteriormente não somos nada sem nossos valores morais, resta "apenas" uma máquina biológica (é claro que não é tão simples assim, mas...). Então a resposta "não" é definitiva se pensarmos em valores "exatos".

Por que os investimentos na educação básica são os maiores? Bom, no caso do Brasil podemos dizer que os altos índices de crianças fora da escola - e isso mexe com "n" coisas, desde acordos com instituições financeiras estrangeiras a "precisamos mostrar serviço" - e de analfabetos deveriam ser diminuídos.

Ignorando os nossos valores morais, eu acredito que acabe sobrando esses tipos de lógica, do maior bem que possa ser feito pela sociedade. Provavelmente a sociedade como conhecemos só existe por causa dos valores morais.

Sei que você escreveu a postagem mais por exercício mental. E eu acho esse tipo de exercício interessante. :)