sábado, 27 de setembro de 2008

A justiça da armadilha


Assim como nunca desmaiei, também nunca fui assaltado. Não sei se tomo algum cuidado em especial, mas felizmente, isso nunca me aconteceu. E se acontecesse, não sei o que iria fazer. Se por um lado ia tentar deixar o assaltante o mais calmo possível – embora não pareça, muitas mortes acontecem mais por causa do nervosismo do bandido do que pelo da vítima – também acho que tentaria convencer ele a não levar coisas como meus documentos ou o MP3 player.

Mas algo que eu sentiria depois de ser assaltado, com certeza seria indignação. Creio que todos que já foram assaltados tenham ficado com uma extrema raiva do ladrão, seja por ele ter levado uma grande quantia, seja pelos problemas que ele causou ao levar também os documentos (coisa que não é rara), seja pela injustiça do crime em si. E acompanhada dessa raiva, vêm o desejo de justiça (ou seria vingança?).

Isso me lembra outra situação, ilustrada por uma foto que circulou (e talvez até circule ainda) pelos e-mails da vida há um tempo atrás. Supostamente, um ladrão tentou roubar algo pendurando-se num fio de alta tensão (não sei se eram os cabos em si). O resultado foi a carbonização completa de seu corpo.

Confesso que pensei “bem feito!”, como acredito que muitos que tenham visto a foto também tenham pensado. O bandido (supondo-se que a vítima realmente o era) não devia ter feito aquilo – o fez e pagou por sua transgressão com a própria vida. Embora não fosse esse o intuito da alta tensão do cabo, o ladrão acabou caindo numa armadilha.

O que é uma armadilha? Podemos entender a mesma como algo especificamente feito para capturar algo ou alguém, ou podemos entende-la como um mecanismo concebido para proteger algo ou alguém de um invasor ou agressor (talvez num sentido mais “RPGístico” da palavra). Mas, além desses dois significados, e se entendermos a armadilha como algo que possa fazer justiça?

Vamos supor outro caso. Uma cerca eletrificada no perímetro de uma propriedade. Não tenho certeza se esse tipo de proteção produz um choque que possa matar um invasor, mas suponhamos que sim. Se um bandido fosse vitimado por essa cerca ao tentar entrar na propriedade, alguém se levantaria em sua defesa? Eu acredito que não. O senso comum é que aquele sujeito não devia estar fazendo o que estava fazendo – se seguisse as leis, não teria morrido eletrocutado. Claro que devemos aqui abstrair o caso de, por exemplo, crianças correndo o perigo de se eletrocutar também.

Aonde quero chegar: a armadilha representa uma forma de justiça que parece perfeita. É a justiça feita à sua maneira, é como se você estivesse fazendo justiça com as próprias mãos, e totalmente dentro da lei. Além disso, é automática. E tudo isso “montado” antes do culpado ter um rosto e cometer o crime. Mas mais que isso, a armadilha talvez revele qual pena achamos correta apenas no nosso inconsciente.

A última suposição precisa de mais um exemplo. Vamos imaginar um criminoso qualquer, digamos um ladrão. E vamos pensar que temos que penaliza-lo, mas estando em diferentes níveis de decisão.

Primeiro, vamos nos situar como o executor desse bandido. Pode ser o clássico carrasco com o machado ou mesmo o doutor de jaleco, prestes a aplicar a injeção letal. Mas além disso, vamos imaginar uma sociedade teórica em que cabe ao executor a decisão final de matar ou não o culpado – apenas para dar todo o poder de decisão a nós mesmos. Pessoalmente, acho que é uma decisão muito difícil. Por mais que seja um criminoso, cabe a nós não só escolher se ele vive ou morre, mas efetivamente mata-lo.

Agora, passando para outro nível. Fazemos parte do júri popular que pode condenar esse criminoso. Não somos nós que efetivamente damos o que seria o “golpe final”, mas decidimos efetivamente se ele vive ou morre. A decisão não é tão difícil quanto no primeiro caso, mas ainda assim, pelo menos eu não tenho certeza do que faria.

No terceiro nível, somos o que somos fora de todas essas suposições, os cidadãos. “Você defende a pena de morte?”, é a pergunta que cabe nesse caso. Se entendermos os cidadãos como parte da sociedade, entenderemos que de certa forma estamos decidindo se o criminoso merece morrer ou não, simplesmente discutindo numa roda de amigos. Alguns diriam sim, outros ficariam indecisos – mas de fato, é mais fácil tender para a decisão de executar o criminoso que nas outras situações.

Finalmente, no caso da armadilha. O mecanismo da armadilha, do criminoso pagar automaticamente pela sua transgressão, nos livra de qualquer espécie de decisão (mas não podemos esquecer que, de certa forma, já decidimos pela execução ao “montar” a armadilha). Minha teoria é a de que a armadilha nos traz uma impessoalidade com relação ao bandido, que não temos nos casos antes descritos. Como eu já disse, não conhecemos sua face e ele nem cometeu o crime ainda. Além disso, nos justifica aplicar a pena de morte talvez até para um caso que não seja grave – o do ladrão invadindo a casa, por exemplo. E essas seriam, talvez, as respostas que acharíamos justas em nosso inconsciente para com aqueles que transgridem a lei.

3 comentários:

Nefelibata disse...

Nós não gostamos de sujar nossas mãos, mas ao mesmo tempo, não temos paciência com os problemas alheios, muito menos com os da sociedade. Então é muito mais fácil que "o Estado" literalmente limpe da sociedade aquilo que nos incomoda.

Mas você tocou num ponto importante: o da gravidade do delito. Eu não acho que um celular meu ou meu mp3 valham a vida de quem o leva embora. Mas... o problema todo é quando nossa vida é ameaçada no assalto.

Como diz Shanx, em One Piece: "se você aponta a arma, você aposta sua vida".

Complicado, viu.

Anônimo disse...

Enquanto lia o texto, lembrei da cena dos barcos, no filme do Coringa.

De um lado, temos os "bandidos", os bag guys, os que merecem uma punição por terem perturbado a sociedade. Do outro, temos os "cidadãos de bem", os bomssamaritanos (já de acordo com a nova gramática, hahaha).

Olha, acho que você consegue manter seus documentos, mas seu MP3 será levado.

A gente sempre espera algum tipo de justiça; mas será que estamos dispostos a arriscar as nossas vidas para que a suposta justiça seja feita?

Anônimo disse...

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