
Imagine que duas pessoas estão correndo risco de vida, e que você só possa salvar uma delas. Quem você salvaria? Que características afetariam sua escolha?
É claro que, se esse experimento mental que estamos fazendo fosse real, a escolha seria muito mais afetada pela tensão do momento, e pelas nossas instáveis emoções. Esse não é o ponto do texto. Quero pensar em qual seria a melhor decisão racional num caso desses, a decisão não afetada pelo calor do momento.
O senso comum nos diz que, na maioria dos casos imagináveis (em termos de combinação de nossas duas "vítimas") é uma decisão extremamente cruel, que muitos optam por não fazer. De fato o é. Exceto para alguns casos, por exemplo, o que estão envolvidos uma criança e um adulto (a prioridade acaba se tornando a criança, segundo nossos valores éticos e morais), qualquer escolha de parâmetro de diferenciação pode ser considerado equivocado. Pensando num caso parecido: se um idoso e um adulto corressem risco de vida, quem você salvaria? Quem defendesse o salvamento do idoso poderia alegar que ele deve ser priorizado justamente pela sua idade avançada; quem defendesse o salvamento do adulto, poderia sugerir que o idoso estaria próximo da morte, e o adulto "teria mais vida pela frente".
Eu acredito que os valores que geralmente são considerados são muito subjetivos, e justamente por isso entram tanto em conflito. O que eu quero sugerir é: seria possível determinar valores para as vidas das pessoas, a fim de tornar essa análise "mais fácil"? Em suma, seria possível determinar o valor de uma vida humana?
Mas que parâmetros seriam utilizados nessa determinação?
Embora isso possa parece assustadoramente materialista, o que eu sugeriria (mas não exatamente defenderia) como variável para determinar o valor da vida de uma pessoa giraria em torno do quanto ela pode produzir. Não só no tempo presente, mas durante toda a sua vida futura.
Lembrando novamente do pensamento racional no caso, então estamos ignorando, de certa forma, nossos valores éticos e morais - só porque eles entram exageradamente em conflito num caso desses. As duas pessoas que estão "em perigo" em nosso exercício não tem nada a ver com nós. Qual seria a única influência dessas pessoas em nossas vidas? Poderíamos entender que estas pessoas apenas influenciam a sociedade em que vivemos, com aquilo que elas produzem. Elas são "apenas" duas adições diferentes ao PIB do nosso país, todo ano.
Se seguirmos essa linha de pensamento, poderíamos fazer algumas comparações, indo para diversos pontos.
O primeiro seria a comparação entre a criança e o adulto - a criança ganha pois tem muitos anos de vida mais pela frente (probabilisticamente falando) que o adulto. Ou seja, ela pode produzir mais para a sociedade em geral, em termos absolutos, que o adulto, que já produziu parte do que poderia produzir em sua vida. Entretanto, se pensarmos a curto prazo, o adulto produz mais que a criança, que ainda precisa completar sua formação (ou mesmo tê-la) até ser produtivo para a sociedade.
Outro caso, mais polêmico, seria comparar uma pessoa instruída, com outra não instruída. A pessoa com, vamos supor, um diploma acadêmico, seria teoricamente mais produtiva que aquela que só tivesse o Ensino Fundamental completo. Poderíamos usar o salário desses indivíduos como indicador do quanto ela pode produzir para a sociedade (embora isso possa não ser muito preciso). Não se trata de um pensamento elitista - se vivêssemos num mundo ideal, com as mesmas oportunidades para todos, aqueles que tivessem mais quantidade de conhecimento acumulado (ou seja, pudessem produzir mais para a sociedade como um todo), ainda assim teriam suas vidas "valendo mais".
Se compuséssemos todas essas considerações (o que é bem difícil), teríamos um modelo de quanto valeria a vida de cada pessoa. Baseando-se em quantos anos de vida ela tem (e, complementarmente, quanto tem pela frente, fazendo uma análise probabilística de sua vida futura), na quantidade de conhecimento acumulado, no seu estilo de vida, etc, poderíamos criar esse modelo, tudo girando em torno do que essa pessoa é capaz, no futuro, de gerar para a sociedade.
Essa análise pode parecer demasiado fria (e na verdade é), mas me pergunto se pensar assim não estaria "em vigor", sem nos darmos conta disso. Lembro-me de um caso que exemplifica bem essa linha de pensamento.
Durante a Primeira Guerra Mundial, surgiram os primeiros aviões de combate (e isso pouco tempo depois do avião ser inventado). Os pilotos não tinham nenhuma forma de ejetar dos aviões caso estivessem prestes a cair. Hoje em dia, para os pilotos de caças, esse sistema é bastante comum. O que mudou? Os generais e engenheiros militares tornarem-se mais conscientes? Na verdade, o que aconteceu é que houve uma valorização grande do piloto - enquanto qualquer um seria capaz de pilotar uma das máquinas voadoras do começo do século 20, um caça exige anos de estudo e treinamento. As autoridades não podem se dar ao luxo de perder um piloto de caça - ele é experiente demais. Há valor agregado à ele, pelos conhecimentos adquiridos. É possível traçar um paralelo com o caso do indivíduo instruído e o não instruído a partir dessa situação.
O que quero, com esse texto, não é defender a adoção desses parâmetros para definir o valor da vida das pessoas. É apenas pensar se não faria sentido esse raciocínio, de certa forma.