sexta-feira, 24 de abril de 2009

A última era da humanidade

Não há mais mistérios. Não há mais injustiças. Não há mais medos. O que poderia sobrar em tal cenário?

Esta história se passa numa época que sofre uma curiosa indefinição - quando se olha sob um prisma atemporal. É o futuro mais futuro que todos os outros, pois a todos os outros pode chamar de passado. Mas ao mesmo tempo, é o presente mais presente que todos os outros - já que não existe melhor definição para uma era tão duradoura e imutável.

A última era da humanidade inicia-se com a nanotecnologia - que nada mais é que a matéria moldada a partir de seus blocos básicos. Em apenas algumas décadas, a civilização viu a fome, as guerras, as doenças, a necessidade do trabalho e até mesmo a mortalidade desaparecerem. Que restava, então?

Os mistérios e as artes, disseram alguns.

Mas logo caíram por terra também os mistérios. Viagens no tempo, a velocidade da luz, a mente humana - todos eles. Levou-se mais algumas décadas, mas a todos foi dada pelo menos uma das seguintes certezas:
1) a certeza sobre uma explicação;
2) a certeza de que não havia uma explicação;
3) a certeza de que uma explicação não poderia ser encontrada, à época ou num futuro próximo.

Daí sobraram as artes. As artes miraculosas que todos então podiam construir graças à nanotecnologia - seja uma pirâmide hexagonal, seja um robô na forma de um dragão, seja um polvo com leões em seus tentáculos. As artes não exatamente morreram, mas justamente por todas as possibilidades serem espremidas, não havia mais atrativo.

Que restava, então?
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Éon meditou por um segundo. Precisava de uma interpretação elaborada de sua época, partida de um ser humano do século 20 depois de Cristo.

Mais um segundo passado e começou a gesticular no ar, envolto por sua roupa preta colada ao corpo, e que brilhava como ébano.

As projeções holográficas ao seu redor voltaram a se mexer. Em breve, seu filme estaria pronto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sabe o que eu senti lendo o texto? Um grande incômodo. Não com o tema em si (sci-fi e futuro da humanidade não é exatamente novidade), mas com esse futuro não tão futuro descrito, igualzinho como este que nós vivemos e que ainda tem muita coisa em transformação... e você escreve que não irá mudar (mesmo você o descrevendo como um mundo perfeito, sem as coisas ruins - que eu acredito que não irão sumir, dado a natureza do ser humano, mas isso é outra discussão).

E isso não me pareceu uma manobra inteligente de mudança da história (pelo menos, eu espero que o herói sofra algum trauma que o force a mudar), mas que você não tem uma perspectiva real do que esse mundo pode se tornar. Não é uma ofensa, só uma impressão que tive ao ler.

Também fiquei intrigada com as definições do começo: "futuro mais futuro" e "presente mais presente". O que você quis dizer com isso?

Tem uma contradição no texto: logo na introdução você diz que não há mais mistérios. Mas no meio você diz "Que restava, então? Os mistérios e as artes, disseram alguns". Para logo em seguida dizer que "caíram por terra também os mistérios" e "ao menos uma das seguintes certezas", sendo que estas certezas são um monte de dúvidas. Não me pareceu que realmente os mistérios foram resolvidos, só que arrumaram um placebo qualquer que convenceu parte da população. Mas a verdade ainda não foi descoberta e há pessoas que desconfiam da resposta oficial. Ou seja, os mistérios não foram resolvidos.

Rabay disse...

Desculpe o incômodo aí XD

Bom, eu pensava em explicar melhor na continuação (se é que eu faço uma heheh), mas pra resumir, imagine esse futuro onde os seres humanos tem poderes quase divinos e são todos imortais, mas ao mesmo tempo há mecanismos para impedir que injustiças (por exemplo, um assassinato) ocorram. Mecanismos que eu penso em explicar na continuação, que tem a ver com a própria nanotecnologia.

Quando se passa a história, as coisas estariam na mesma há milhares de anos. Na nossa época, podemos perceber transformações todos os dias, e grandes mudanças com o passar dos anos. Me vem a revolução da tecnologia da informação de imediato, o uso difundido de celulares e computadores na última década e tal.

As dúvidas sobre "o que resta", "o que esse mundo poderia se tornar" é exatamente o que eu quero levantar (não só levantar como refletir eu mesmo sobre). É o ponto crucial da história. O que poderia restar quando não há mais conflitos, mudanças ou mesmo objetivos de vida maiores?

Sobre as definições, imagine que você olhe para uma linha do tempo e queira alocar as definições passado, presente e futuro pra todas as épocas, só que sem se situar temporalmente.

Difícil, eu diria até impossível porque os termos perdem o sentido. Mas vamos supor que você queira aassim mesmo fazer essa alocação. Olhando para a linha do tempo, você colocaria o termo "futuro" numa era de milhares de anos, que é posterior em relação a todas as outras, ou "presente", dado que dentro dela não há perspectivas de um futuro diferente, e talvez porque ela é muito mais longa que todas as outras, ou também porque ela é a última?

Sobre a contradição: a primeira frase só faz sentido dentro dessa última era da humanidade, o que aconteceu com a queda dos mistérios e as artes "perdendo a graça", coisas que se dão antes dessa constatação.

Já sobre as certezas, eu me baseei no que li uma vez sobre um teorema matemático sobre equações do 4º ou 5º grau. Não dando uma fórmula para resolvê-los, mas justamente provando que não era possível existir uma fórmula para resolvê-los. Esse é o tipo de certeza a qual me refiro.

A título de exemplo, imagine para o primeiro caso a teoria da gravidade; para o segundo, um milagre comprovado, mas inexplicável; para o terceiro, a resposta para a pergunta "o que há no centro do universo" - admitindo-se que não se pode ultrapassar a velocidade da luz, só poderia uma resposta ser obtida após uma viagem de bilhões de anos. Imagine não só que há essas certezas para cada mistério, mas que também eles resistiram por milhares de anos aos testes do tempo.

Bom, pra ser sincero, admito que as alternativas 2 e 3 me pareceram a mesma coisa ao reler o texto. E tudo tá parecendo bem viajado num contexto geral, huahuahuahua. Talvez eu refaça esse texto =P

Bianca Hayashi disse...

Achei uma coisinha interessante sobre o "futuro mais que futuro" e o "presente mais que presente", sobre como a sociedade se organizaria nessas situações semioticamente falando:

Afirma Norval Baitello Jr.: "Cada cultura pode definir o seu próprio padrão de tempo. Há culturas voltadas para textos futuros. Há aquelas que se centram no presente e seus textos. Também existem culturas que se fundam na memória e nos textos passados. A cultura voltada para o texto ‘futuro’ é do tipo messiânico. Todo o seu passado e seu presente são redimensionados em função da sociedade ideal que vai acontecer no futuro. As culturas que se centram no texto ‘presente’ são marcadas pelo descarte da informação histórica, tornada obsoleta pelas codificações consagradas por um determinado momento. Os códigos se sucedem e se substituem com grande velocidade e de maneira aparentemente pouco traumática. O novo já nasce condenado à obsolescência, programada e presente no seu âmago. As referências históricas, construídas no cadinho das experiências passadas, se perdem, sonegando com isto o solo fértil para a vida do imaginário. As técnicas ditam as normas, a tecnologia se confunde com o saber. As culturas voltadas para o texto ‘passado’ são aquelas heróico-míticas. Fundadas num tempo memorável dos deuses e heróis aos quais devemos nossa existência e nosso saber".Trecho retirado de Jornalismo e Desinformação, por Leão Serva.