sábado, 7 de junho de 2008

Fazendo uma ponte com um comentário n'outro blog

Na última terça-feira, eu bati meu recorde. Fiquei fazendo trabalho até quase 10:00 na faculdade (sendo que eu e mais dois colegas começamos o dito cujo às 16:40). Um dos meus colegas me ofereceu carona, pois mora próximo da minha casa. Já estava bem tarde e eu, claro, aceitei, mas não tinha desconsiderado antes a hipótese de voltar a pé.

Foi então que esse meu amigo me disse que a partir das 10, 10:30, os ônibus não circulam na USP – não sei se a informação procede; se estou falando besteira, me corrijam. Mas se for verdade, então eu estaria ferrado se estivesse sozinho à essa hora lá.

No caminho, um dos assuntos que discutimos foi sobre a ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, a qual ele sempre pegava pra voltar pra casa e na ocasião não foi diferente. Vocês já viram a ponte à noite? Ela é iluminada e fica mudando de cor. Ouvi muita gente dizendo que é ridículo, e eu confesso que também achei estranho e preferiria uma iluminação normal.

Mas enfim, o que eu mais quis discutir com ele foi sobre como essa ponte afetou o trajeto dele para sua casa, justamente porque alguns dias antes tinha debatido o seguinte assunto aqui pelos blogs e no MSN – a ponte construída era realmente necessária? E então, fiquei surpreso com as reclamações dele de que o trânsito na Roberto Marinho, que ele utilizava, tinha aumentado muito, principalmente por causa dessa ponte, que havia atraído usuários. Mas também ele me revelou que o trânsito em outros trajetos tinha melhorado.

Vou explicar aqui um pouco do que estudei de engenharia de tráfego, que implica no assunto.

Um dos modelos que os engenheiros usam para estudar os fluxos de viagens (no caso, usando o sistema viário) se baseia, essencialmente, nas regiões que mais produzem e atraem as viagens, que ainda podem ser de dois tipos: viagens com motivo de trabalho e com outros motivos (a passeio, pais buscando seus filhos nas escolas, etc).

Outros pontos que o modelo compreende são o número de pessoas por família, o número de carros de cada família, e quantas viagens as famílias costumam produzir, de acordo com o número de carros (uma família de 6 pessoas com 2 carros produzirá muito mais viagens em horário de pico – e a rede viária é dimensionada baseando-se nos horários de pico, que constitui o pior caso possível – que uma família com apenas uma pessoa e sem carro).
Mas o mais interessante: de acordo com o tamanho da família, é possível, a partir de uma fórmula, calcular a probabilidade que essa família tenha 0, 1, 2 ou mais carros. Nessa fórmula, é usada a taxa de crescimento anual da renda. Quanto maior a renda de uma família, maior será a probabilidade dessa família ter mais carros e, assim, efetuar mais viagens.

O ponto em que quero chegar: eu acredito que a ponte estaiada construída sobre o rio Pinheiros possa ter sido algo necessário para a cidade no momento. Meu amigo reclamou que o trânsito em sua rota aumentou, mas ao mesmo tempo, rotas alternativas se tornaram menos congestionadas. De fato, um novo caminho só pode melhorar o fluxo de veículos na cidade – a questão aqui é se esse investimento foi uma idéia inteligente, se a verba não poderia ser melhor aplicada. E para essa questão, eu sinceramente não tenho certeza da resposta, por isso o “possa” na primeira frase deste parágrafo.

Citei o crescimento na renda, que de fato é usado como variável crucial no modelo de estudo dos fluxos de viagens, pois ele exemplifica como outro crescimento, o da frota de veículos, pode ser difícil de se evitar. Com o aumento da renda, é razoável que se espere esse crescimento. Só mesmo um transporte público de muita qualidade – e isso talvez torne-se especialmente difícil de se fazer (ou ao menos demorado) num país como o Brasil e numa cidade como São Paulo – poderia reverter esse quadro.

Não estou dizendo que o aumento na malha viária seja a solução para os problemas de transporte em geral – de fato, o transporte público, o metrô mais especificamente, é a solução mais adequada a longo prazo. Mas não se pode ignorar o aumento do fluxo de automóveis; chega um ponto em que certas obras se tornam necessárias. Novamente não estou dizendo necessariamente que a ponte foi a solução mais inteligente em termos de custo-benefício (sendo o benefício, aqui, a melhora no fluxo de viagens), estou dizendo apenas que ela pode ter sido.

O que eu acredito, em suma, é que as decisões que são tomadas, como por exemplo, a construção dessa ponte, são feitas após minuciosos estudos por parte dos engenheiros (usando modelos como o exemplificado), principalmente por haver tanto dinheiro em jogo. O que pode acontecer, é que essas decisões estejam equivocadas. E aí há exemplos como do metrô da linha 5-Lilás, muito pouco usado (na verdade não se se continua assim).

A respeito da obra como um “cartão-postal” da cidade. Muitos acharam isso um desperdício de dinheiro, mas eu acho válido termos obras não só funcionais, mas também bonitas na cidade, que inclusive carece disso. E eu não tenho certeza, mas talvez a diferença de um projeto de arquitetura mais elaborada para um projeto simples talvez não fosse tão grande, na questão do preço.

5 comentários:

Ivan Yukio disse...

Apesar do que se ouve muito por aí é o que você disse mesmo, a ponte na verdade ajudou as rotas mais importantes da regiâo, apesar de causar um maior trânsito local. Como temos que pensar mais no conjunto, acho que não foi uma decisão tão errada assim.
Ela é esteticamente chamtiva, sem dúvidas, mas também é muito viável economicamente uma vez que se não fosse ter sido feita da maneira como foi, um segundo suporte teria que ter sido colocado no leito do Pinheiros e isso sim seria um problema cuja solução custaria bem mais.

Nefelibata disse...

Vou tentar ser bem claro.

Temos um problema generalizado no transporte público em geral. Isso significa, na prática, que as pessoas gastam mais tempo e se desgastam mais para andar pela cidade.

Certo?

Se sim, então até mesmo uma calçada reformada é uma atitude que melhora a condição geral. Porque as pessoas podem viajar pela cidade a pé, como eu faço várias vezes andando do Paraíso até à Consolação, ou da Vergueiro até à Sé. Mas nem que seja para ir até à esquina; eu acredito que o cidadão deve ter condições decentes de fazê-lo, ou seja, sem tropeçar numa fenda da calçada.

Jóia, mas o problema de trânsito de que todos falam não é esse, certo? No geral, milhões de paulistanos não precisam atravessar a rua. Precisam atravessar quilômetros. Por quê? Por que acham chique morar em Itaquera e trabalhar na Consolação? Claro que não. É porque a cidade, assim como o país, sofre de um tremendo desequilíbrio social. As pessoas precisam trabalhar longe de suas casas. A densidade demográfica (de lares, onde cada um toma banho e dorme) cresce à medida em que nos afastamos do centro. Ao mesmo tempo cresce a pobreza. E diminuem oportunidades - que não são somente de trabalho, mas de educação e acesso ao lazer e à produção cultural. Então, como muita gente vai para muito longe, precisam de veículos mais eficientes que suas solas. E todos eles ocupam muito mais espaço que um corpo humano.

Em São Paulo, as opções são pelos trilhos (pouquíssimos pela área da cidade) e pelo asfalto (abundantíssimos). Trens e metrô comprovadamente são os meios mais eficientes, mas são materialmente limitados: há poucos. No asfalto, temos ônibus e seus congêneres. E os carros, que são abundantíssimos também.

Some-se isso à: facilitação de linhas de crédito que permite que um poder de compra que cresça pouco "renda" muito através de parcelas em 12, 24, 36 vezes (na virada dos anos 80 para 90, era preciso muito choro para comprar um carrinho em três vezes). Coroe esse fato com uma cultura que supervaloriza o culto ao carro. E temos então um perfil que acho satisfatório para explicar esse trânsito específico.

Se eu não errei em nada, dá para dizer: realmente, a ponte ajuda no transporte. É pista nova, é mais área para distribuir carros.

Por uns 200 milhões.

Dinheiro que poderia ser usado para construir, se não me engano, de dois a três quilômetros de metrô. Pouco né? Mas, se estou certo, é mais ou menos a distância entre a estação Alto do Ipiranga e a futura Sacomã. Se um dia você passar por ali, verá que o metrô aliviará o trânsito de uma Avenida do Estado lotada até às 10h da manhã, de uma Avenida Anhaia Melo, que tem tradição de lerdeza, de um Expresso Tiradentes que precisa de ônibus saindo a toda hora.

Se você me provar que essa ponte beneficia mais gente do que essa estação do metrô, e que esse benefício é proporcional a quem mais precisa, então eu aceito o seu ponto e faço uma retratação pública no meu blog, pedindo desculpas à pobre da ponte.

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"O que pode acontecer, é que essas decisões estejam equivocadas. E aí há exemplos como do metrô da linha 5-Lilás, muito pouco usado (na verdade não se se continua assim)".

Sobre isso, duas coisas. Primeiro, você assume que, mesmo havendo estudos minuciosos para planejamento de infra-estrutura, erros podem ocorrer. Então, abstratamente, pelo menos, existe uma chance dessa ponte ter sido um erro em alguma medida.

Em segundo lugar, obras públicas são processos públicos, que envolvem homens públicos. O engenheiro possui o poder de analisar, prever, descrever. Mas não possui a "palavra eficaz". Ou seja, ele não pode "criar" algo no sentido de fazer esse algo sair do papel e virar realidade. Em termos de obras públicas, quem tem esse poder demiurgo, esse "faça-se", é o homem público. É o político e o empresário, que se confundem nas mesmas pessoas em inúmeras vezes. E, desde o Barão de Mauá, sabemos que o fiel da balança nunca foi o estudo mais genial, mas o interesse privado mais forte. É como o Minhocão, que ligou a casa do Maluf ao trabalho dele, à custa do valor imobiliário e sossego dos moradores dali.

Eu sei que é meio chato, mas depois de três anos estudando direito e vendo a coisa acontecer, eu sou obrigado, por sinceridade, a dizer que na prática, esse romantismo de projeto ideal nem sempre se concretiza. Ou melhor, quase nunca se realiza.

E se quer saber, da minha opinião, a linha lilás é algo muito mais inteligente que a ponte. Hein? É que a linha lilás é uma das linhas mais afastadas do centro, e portanto, uma das mais próximas de quem realmente precisa de transporte público: a grande massa. Se o Governo não elitizar de novo e manter o gás para ligá-la ao metrô Santa Cruz, então ela se mostrará, no tempo, algo fantástico.

***

Quanto aos cartões postais: acho que São Paulo carece disso se você comparar a cidade com Paris, Roma ou Berlin. Pessoalmente, conheço muita coisa bonita aqui: o Teatro Municipal, a Torre do Banespa, o Vale do Anhangabaú, a Catedral da Sé. "Ah, mas não têm nada a ver com transporte...". Verdade. Assim como não têm o Coliseu, o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel, o Portão do Brandenburgo, o Palácio de Buckingham... a única que eu consigo me lembrar é a Goldengate. Ah, mas se quiser saber de algumas jóias da beleza urbanística, procure fotos das estações do metrô de Moscou.

Pois é.

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Em breve, pretendo fazer um texto compilando todos os nossos debates e com mais algumas novidades sobre o assunto.

Nefelibata disse...

Ser claro =/= ser compacto XD

Rabay, parece que você varou a noite na faculdade. Pq o trabalho foi das 16h30 às 10h, ou seja: dezessete horas e meia. Se você escreveu 16h30, não seriam 22h? XD

E não sabia que a ponte era tão espalhafatosa...

Rabay disse...

Então, é o que eu estou dizendo pra vc nesse momento no MSN (lol), o que eu acredito é que a ponte é apenas uma resposta dos engenheiros ao aumento da demanda, que por sua vez é reflexo do aumento da renda, como o modelo que os engenheiros usam.

Não acredito que a ponte em si ajuda a aumentar a demanda (na região o fluxo vai aumentar sim, mas não de um modo geral de maneira significativa), mas essas coisas como crédito facilitado pra comprar carros, culto ao mesmo e redução dos impostos sobre a gasolina para que não recaiam sobre os motoristas (que eu citei no blog da bibi), isso sim! E acho que é aí que o uso de carros deve ser combatido (afinal, é fato que não há espaço na cidade para todo mundo andar de carro).

Sobre a comparação da ponte com a linha lilás, foi exatamente o que eu quis dizer, que a ponte pode ter sido um erro, se ela não estiver sendo largamente usada e se não tiver sido o melhor emprego do investimento possível. O que eu acredito, é que ocorrem muitos erros por incompetência e falta de planejamento. Mas não ignoro que hajam os interesses também, só acho que esses interesses se manifestam muito mais "eficientemente" nessas políticas que privilegiam o uso de carro, por exemplo.

Já a respeito dos interesses envolvidos, bem, eu acredito que haja o estudo dos engenheiros de tráfego a respeito dos pontos mais urgentes a serem tratados na questão do transporte. De fato quem decide é o homem público, mas por que ele optaria pela solução mais elitista? Não seria melhor resolver a questão do transporte, isso não daria a ele até mais votos (no caso do político)? E suas obras não seriam questionadas pelos especialistas da área? Bom, nessa área tenho que admitir que eu posso estar falando muita besteira por não saber como funciona exatamente.

Quanto ao uso da ponte privilegiar mais que o do metrô, aí não sei te responder (e não precisa se retratar com a ponte em nenhum momento futuro não, talvez você esteja certo mesmo em reclamar). Pelo fato das pontes criarem gargalos, uma adicional pode ter liberado o trânsito em várias outras próximas, pontes e vias. Mas uma estação do metrô e seus quilômetros a mais poderia ser melhor, sendo que transporta mais gente, embora a melhora seja mais local.

Agora sobre a linha lilás, eu acredito que, embora a longo prazo ela possa ser benéfica, se já hoje ela não está sendo usada como foi previsto em questões de demanda, já foi um erro. Sua construção poderia ser postergada (usando o dinheiro para outras obras), ou mesmo ela poderia ser construída a partir da santa cruz quando possível, assim já estaria conectada à rede diretamente, provavelmente sendo bem mais usada. Sobre isso dela ser longe do centro, pode ser justamente a explicação para ela estar sendo mal utilizada. Infelizmente as pessoas querem ir das regiões de bairro para o centro (de acordo com a nossa disposição demográfica, de áreas de trabalho e residenciais), na planilha wque eu te mandei dá pra ver isso mais ou menos, pois a maioria das viagens são com motivo "trabalho". O certo seria haver a conexão com o resto da rede para ela ser bem utilizada, mas isso a meu ver.

Já sobre a ponte como cartão-postal, acho que usei mal as palavras. Claro que a ponte nunca será tão famosa como esses outros grandes monumentos, mas é algo que caracteriza a cidade, que só existe em São Paulo (é a única ponte estaiada com duas pistas curvas do mundo, por exemplo). O Teatro Municipal e a Torre do Banespa também são bonitos, mas não são diferenciais, como é o Masp ou a ponte. E construir a ponte como foi feita é juntar a fome com a vontade de comer, no caso é uma obra que precisa (supostamente) ser feita, por que não fazê-la bonita também?

Sobre os horários ignore esses erros, o texto em si tá péssimo, eu nem revisei XD

Anônimo disse...

Bem, faltou falar um ponto importante sobre a linha lilás: eles a construíram e mantiveram as linhas de ônibus que ligavam o ponto final do ponto de partida. Então, por que pegaríamos o metrô (e pagando mais) para andar a mesma distância percorrida pelo ônibus?

Claro que, além disso, como as brincadeiras costumam falar, ela liga o nada a lugar nenhum. Como já foi dito, deveriam ter começado a construi-la pela Santa Cruz, tendo, assim, uma lógica que servisse a todos e não apenas uma dessas construções de ano de campanha eleitoral - como é a ponte estaiada.

Pode ser bonita esteticamente e também concordo que a cidade precisa de monumentos bonitos além de funcionais. Mas gastar 200 milhões em algo que beneficia uma parcela - e arrisco-me a dizer que essa parcela da população é até mais elitista - e não à maioria parece que é apenas para conseguir votos (uma vez que o Kassab não é o queridinho dos eleitores). Por que não investir isso no metrô? Por que deixar que "acidentes" como o da linha amarela aconteçam? Só para conseguir votos? Adianta construir porcamente algo para servir de placebo e, quando cair, o problema é da outra gestão?

Outro ponto que tenho ouvido dos especialistas é o fato de colocar pedágios no centro expandido. Para mim, isso só mostra a falta de visão dessas pessoas. Querem arrecadar mais dinheiro pata colocar em seus bolsos ou realmente veremos esse dinheiro ser bem utilizado?

Fora que as pessoas compram e optam pelos carros como meio de transporte porque o transporte coletivo é lotado. Isso excluindo, claro, o status. Como disse no meu blog, não importa se estaremos a pé, de carro, de metrô ou ônibus; na hora do rush, vai todo mundo ficar parado no trânsito que nós criamos. As medidas que os políticos estão tentando (beeeeeeeeeeem porcamente, aliás) podem até resolver em curto prazo, mas daqui a um tempo, os velhos problemas voltarão. E, como sempre, o problema é da próxima gestão e assim vamos empurrando os problemas com a barriga.