sábado, 19 de abril de 2008

A escola de cartografia chinesa e o "efeito Royal"




Nos tempos do Clã Z Warriors (pra quem não se lembra ou não conhece, era um fórum da internet ao qual me juntei há uns 5 anos, e que fez com que eu conhecesse o pessoal do NAY), me lembro de ter lido, certa vez, um tópico genial no fórum, criado pelo Rafael "Papito ZW" (que aliás, criava os melhores tópicos).

Nesse tópico, ele contava uma história que uma professora dele tinha passado em aula (na época ele fazia o curso de publicidade e propaganda). Achei tão interessante a história, que guardei ela na memória. Fui estúpido de não ter salvo o texto original, confiando que ele não se perderia na internet, mas pelo menos me lembro qual era a idéia dele. Vou tentar reproduzí-lo aqui:



"Conta a lenda que existia, na China antiga, uma famosa escola de cartografia, cujos estudiosos eram responsáveis pelos melhores mapas que o mundo já tinha visto.

Certa vez, os cartógrafos da escola decidiram elaborar um mapa-mundi, contendo todas as informações que possuíam, nos mínimos detalhes possíveis. Seria a obra-prima da escola. A tarefa foi árdua, mas ao final dela todas as nações, províncias e cidades estavam mapeadas.

Depois de um tempo, os cartógrafos ficaram descontentes. O mapa-mundi que eles haviam criado abrigava todas as extensões do globo conhecidas, mas os detalhes incluídos não lhes pareceram suficientes. Eles então decidiram aprimorar o mapa, desenhar cada casa, cada poço, cada estrada. Novamente eles haviam se superado.

Mas o tempo foi passando, e novamente também o mapa pareceu obsoleto. Eles decidiram aprimorá-lo ainda mais. Desenhar cada pessoa, cada animal, cada planta. Então surgiu mais uma vez um novo mapa atualizado do globo.

E assim se sucedeu por muitos e muitos anos. Assim que terminavam uma nova atualização do mapa, os cartógrafos percebiam que faltava algum detalhe. Podia ser a posição exata de uma casa, a altura de uma pessoa, ou mesmo as engrenagens de um escorpião [essa parte eu me lembro do texto original - tente abstrair a elaboração do mapa não como um desenho 2D, a idéia mais importante é que o mapa é uma representação fiel da realidade]. Então jogavam-se novamente ao trabalho de atualizar o mapa.

Depois de um certo tempo, a escola de cartografia teve que fechar suas portas. Por que isso aconteceu?"




Agora, o texto não tinha uma resposta exata, cabendo ao leitor elaborar sua própria resposta para a pergunta, o porquê da escola ter fechado. Eu não me lembro da resposta do Rafael, mas lembro da minha. Ela é bem fria e lógica, talvez não tenha nada a ver com os intentos da professora do Rafael... Por isso mesmo eu proponho que dêem suas próprias respostas ao "enigma" nos comentários, talvez bem mais interessantes que a minha.

Bom, aí vai:

A escola teve que fechar simplesmente porque os cartógrafos, ao buscarem a perfeição na elaboração do mapa, esqueceram que tinham que reproduzir o próprio mapa dentro do mapa. E isso nos leva a uma indução infinita: o mapa deveria conter uma representação dele mesmo. Mas essa representação deveria conter outro mapa, e assim por diante - cada vez que é feita um representação nova "dentro do mapa ", a realidade muda e é preciso representá-la corretamente. Diante do impasse, os cartógrafos decidiram fechar a escola. Vamos chamar isso, daqui por diante, de "efeito Royal" (créditos à Bibi pelo nome).

Vou arriscar aqui uma definição que poderíamos bolar do tal "efeito Royal":

"Efeito Royal: Fenômeno que ocorre quando tenta-se produzir ou reproduzir algo que contenha a própria produção ou reprodução, gerando uma seqüência infinita."

Agora, podemos incluir algumas coisas fáceis de se reconhecer onde ocorreria o efeito Royal. Na microfonia por exemplo. O microfone capta os sons e os transmite até a reprodução, na caixa de som. Se a distância do microfone até a caixa de som for suficientemente pequena, e o volume de reprodução da caixa do som for, paralelamente, suficientemente grande, o som "adicional" que chegar até o microfone reproduzido pela caixa de som será captado e retransmitido novamente, gerando uma seqüência infinita. Claro que o volume reproduzido pela caixa não é infinito, mas o máximo de volume é facilmente atingido, gerando o barulho desagradável.

Outro exemplo, seria pensarmos numa disputa entre dois adversários, A e B. Suponhamos que B faça uma jogada X, à qual o jogador A tem que responder, pensando se ela é um blefe ou não. O jogador A pode pensar "Ah, o jogador B deve ter feito isso para me enganar; essa jogada com certeza é um blefe.". Mas ele pode também pensar "Humm, mas e se ele anteveio meu pensamento, e fez essa jogada, que não é um blefe, justamente prevendo que eu pensaria que o é?". Ou pode muito bem pensar "Ele deve ter presumido os dois pensamentos anteriores que eu teria e ter feito a jogada de blefe para me enganar". E assim por diante. Se julgasse o jogador B tão inteligente assim, o jogador A veria que essa linha de pensamento torna-se inútil por alternar tantas vezes entre o blefe e o não-blefe do jogador B, e ser impossível determinar exatamente onde o jogador B teria "parado".

Finalmente temos os exemplos com imagens, que com certeza todos já vimos em alguma publicação, afinal é gerado um efeito gráfico muito interessante:







O primeiro eu fiz com a webcam mesmo, tirando uma foto do próprio monitor com a janela aberta, bem manjado. O segundo é uma montagem com nosso amigo João (aliás agradecimentos a ele por ter autorizado o uso da foto, heheh) que eu fiz já faz um tempo.

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, efeito "boneca russa"! Isso tem um nome - que não é Royal :P - mas eu não lembro. xDD~
Obrigada pelos créditos!

Ainda não desenvolvi nenhuma teoria sobre o porquê de a escola ter fechado. Mas acho que esse efeito acontece em guerras. Não importa quem começou, o negócio não tem fim. Mesmo quando há um fim, ele não terminou de verdade; os rancores ficaram e o vencedor da guerra leva os trunfos (mesmo que ele a tenha provocado).

Pensarei em algo mais.

Nefelibata disse...

CARALHO... tinha feito um comentário-post aqui e NÃO FOI PUBLICADO!

Vou reunir paciência para refazê-lo...

Nefelibata disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nefelibata disse...

Bom, volto a tentar comentar, esperando que isto não se perca no limbo dos bytes e das redes... XD (aliás, esse comentário apagado foi meu, porque esqueci de colocar uns links).

Primeiramente, o “efeito Royal” que você menciona é mais conhecido como “efeito Droste”, e não tem nada a ver com um cientista que o descobriu e o conceituou, e sim com uma caixa de chocolate holandesa, acho, que era da marca “Droste”. Aqui um link para ela.

Como pode ver, ela reproduz o desenho dentro de si, de maneira nem tão impactante, pois a proporção é um detalhe do desenho, mas certamente muitíssimo intrigante. Eu não me lembro qual foi a primeira vez em que vi algo assim, mas creio ter sido justamente com alguma embalagem de produto alimentício importado, e me lembro que fiquei impressionadíssimo. Há grandes chances de esse produto ter sido a própria lata de fermento Royal, à qual dou um link aqui , junto com outras imagens. Imagino que foi a partir daí que a Bibi ouviu o nome, e nos disse ser “efeito Royal” ou “efeito Caixa de Royal”. No caso, não é bem uma caixa, mas uma lata.

Em suma... acho que só me impressionei mais quando da primeira vez em que me vi entre dois espelhos (aliás, uma forma curiosa de se matar vampiros de acordo com certas lendas contidas no Drácula – como os vampiros não podiam ter seu reflexo mostrado no espelho, colocá-lo entre dois era uma forma de mandar sua alma ao infinito).

Neste link , algumas imagens com esse efeito (as quais acho mais impressionantes no estilo do quadro). Aqui, neste link, uma explicação matemática que talvez você curta, e que eu adoraria poder tirar de letra. A gente vê que, na verdade, isso é uma aplicação imagética do fenômeno também observado na língua, que é a recursividade. Que coisa, não?

Só que vejo uma diferença entre dois tipos de imagem: uma é a que contém dentro de si uma cópia da imagem “total”, como na caixa de Droste e na lata de Royal. Isso dá para fazer no Photoshop. Mas o efeito dado na imagem do quadro, ou em fractais, não me parece ser igual, e me parece ser mais complicada de se conseguir. Se eu entendi bem, é o efeito obtido pela aplicação da função explicada na fórmula acima...

Depois digo o que acho do caso do mapa.

Nefelibata disse...

Bom, o Rabay disse que os links não estão funcionando... pelo menos os dois últimos não estão disponíveis de jeito nenhum, nem colando do endereço que aparece na barrinha do rodapé de página.

Então, o blog-fonte de onde eu os tirei. Os links estão lá, bem facinho...

http://www.moscamorta.com/piriquito/?p=1474

Nefelibata disse...

Sobre o porque da escola ter fechado:

Primeiramente, não enxergo onde está o efeito Royal/Droste. Pelo que entendi da história que você contou, eles não quiseram desenhar um mapa dentro de outro mapa, e nem copiaram nessa nova construção a representação anterior.

Mas, para falar do porque a escola teria fechado, eu preciso compartilhar a história que eu ouvi há muito tempo, nem me lembro onde, e que é muito parecida com essa que você narrou; devem ser duas versões de um mesmo mito.

Se bem me lembro, a história que ouvi era de um Imperador Chinês que queria um mapa da capital do império e seus arredores, para evitar ter que sair de sei palácio para tomar decisões. O mapa foi feito, e o Imperador ficou impressionado com o que tinha, e encomendou um mapa maior e com mais detalhes, que atingisse as províncias vizinhas, ficando outra vez maravilhado com o resultado. Solicitou então um mapa de todo o império, ainda mais minucioso; depois um mapa ainda maior, que registrasse as novas possessões chinesas, com nível sempre crescente de detalhes. Até que, caminhando sobre metros e metros de papel estendido no chão de um enorme salão, o Imperador viu-se obrigado a exigir um mapa do mundo todo, indicando quais detalhes faltavam, o que deveria ser melhorado etc.

Por essa história, é fácil dizer que uma escola dessas poderia fechar por puro e simples esgotamento (afinal, fazer tudo isso na China Antiga, sem transportes rápidos ou satélites...). Mas ainda que a sua versão não demonstre ou demonstrasse isso explicitamente, é possível dar mais uma explicação que, que não exclui esta.

A idéia de um mapa, como acho que você mesmo disse no texto, é de esquematizar a realidade. Serve justamente para que o Imperador possa administrar seu reino mais facilmente. Não que um mapa seja a única ferramenta de seu governo, mas é um instrumento importante. É um instrumento de poder sobre o mundo. Como é um controle estratégico, é natural que não seja necessário adaptar todas as informações do mundo real para se obter um determinado fim. Por exemplo, se eu desejo saber qual é o caminho mais rápido da minha casa até o mercado do bairro vizinho, um mapa simples de ruas pode me ajudar, sem que eu precise saber a numeração das casas ou onde ficam os pontos de ônibus.

No entanto, a intenção da escola de cartografia da sua história era apreender tudo de tudo. Ora, se a idéia é reproduzir o mundo todo dentro de um mapa, com todos os detalhes, até mesmo “as engrenagens de um escorpião”, o mapa perde sua finalidade, e a famosa escola de cartografia perde o controle. De um ponto de vista acadêmico, dá para dizer que fechou as portas porque depois de tanto se desenvolver, esqueceu-se do princípio mais básico da ciência dos mapas. Mas tudo isso também leva ao esgotamento, como disse lá atrás.

Tendendo ao infinito disse...

No meu ponto de vista geográfico a escola fechou porque, se chegarmos a perfeição da totalidade dos dados, chegaria á própria totalidade. Neste sentido, somos produto e reprodutores do espaço e do tempo. Configuraríamos como um mapa vivo, que de tão "perfeito" é sua atualização, acompanharia a dinâmica do espaço-tempo real. A escola perderia assim, sua função clássica primordial de evidenciar apenas aspectos – necessários ao estudo- de composição para compreensão da totalidade. De forma que, não atenderíamos a velocidade necessária para atualização dos mesmos. Uma vez que a forma dialética também é um aspecto a ser considerado dentro da complexidade do real. Entretanto, precedi pensar nos Algoritmo Mutantes, como funções - (Os códigos Fontes da Natureza)- capazes de auto se ajustarem para composição do real, são estes que se compreendidos poderíamos criar bases cartográficas conforme a intencionalidade quantitativa e qualitativa sem que perca a realidade temporal dos dados. Por fim, podendo a escola ter findado por diversos outros fatores como também por ter atingido seu objetivo de compreender a complexidade a partir da especificidade que deveremos agora formar uma escola para compreensão do novo ciclo e um novo olhar cientifico.