domingo, 6 de abril de 2008

Defina "vida". Justifique sua resposta.

A nanotecnologia promete hoje incríveis avanços tecnológicos para o futuro. Sem entrar muito nessa ciência, ela consiste da manipulação dos átomos, os “blocos primordiais” de toda a matéria existente, na construção de novos materiais, componentes, e até mesmo máquinas em um nível nanométrico (“nano” é o prefixo usado para denominar um bilionésimo – um nanômetro, ou simplesmente nm, seria igual a 0,000000001 m).

Ainda é uma ciência em seus primórdios, mas assim como com a viagem no tempo, é interessante discutir as possibilidades que nela residem.

Pois bem, analisemos um dos principais focos divulgados pelos cientistas a respeito dessa tecnologia: a construção de nano-robôs, ou seja, robôs em escala microscópica. Esses robôs seriam capazes de atuar dentro do nosso organismo, podendo, por exemplo, se atuassem no sangue, levar oxigênio até nossas células de uma maneira muito eficaz – teoricamente, todo o nosso sangue poderia ser substituído por alguns litros contendo trilhões desses nano-robôs, criando seres humanos surpreendentemente mais vigorosos.

Mas o foco dessa discussão é outra. Primeiro vamos imaginar um desses nano-robôs, só que com outros propósitos. Imagine eles com sensores, suponha a cor cinza que sempre é ligada às máquinas, imagine garras para o movimento e/ou a manipulação em torno de seus “corpos” e pense em qualquer programação interna e capacitação que eles poderiam ter, podendo executar inúmeras tarefas.

Agora, vamos supor que nossa tecnologia, depois de um tempo de uso e experimentação desses nano-robôs, tenha avançado a tal ponto que dentre as tarefas que possam ser executadas por eles, encontra-se a de criar uma cópia exata deles mesmos, a partir da matéria existente no ambiente – átomos de carbono, por exemplo. Criar uma cópia de si mesmo consiste em se replicar. A princípio, podemos considerar muito útil uma programação e uma capacitação desse tipo – afinal, criar algumas dezenas de trilhões de nano-robôs não parece tarefa fácil, considerando o exemplo do uso deles no nosso organismo. Mas você consegue ver o perigo global que apenas um nano-robô desse modelo representaria?

O primeiro nano-robô desse tipo que fosse criado, se não controlado, e se qualquer tipo de material pudesse ser usado por ele na replicação, iniciaria um processo que acabaria por consumir toda a matéria da Terra, transformando-a apenas em nano-robôs. Um exagero? Não se considerarmos a progressão exponencial no crescimento do número de nano-robôs. Um cria outro, que criam dois, que criam 4, que criam 8 e assim por diante. Supondo um tempo razoável de replicação de um dia, teríamos 2¹º = 1024 robôs em dez dias, em 20 dias seriam aproximadamente um milhão, e em 30 dias um bilhão. Em alguns meses seria o fim da Terra como conhecemos, dominada por uma gosma cinzenta de nano-robôs.

Mas por mais interessante e apocalíptico que isso pareça, não é o foco deste texto. Imaginemos que os cientistas sabiamente, ou mesmo por impossibilidade, criem nano-robôs que se repliquem apenas usando certos certos tipos de matéria que pudessem encontrar. Vamos pensar que sejam espécies de matéria não tão raras, mas também não tão comuns em nosso planeta a ponto de que buracos sejam criados por aí por esses nano-robôs em busca de replicação.

Um nano-robô que busca certos tipos de matéria para criar cópias exatas de si mesmo. Podemos notar nitidamente que há uma forte semelhança com qualquer forma de vida existente, que busca, mais que tudo, se alimentar, crescer e então se reproduzir.

Mas não pára por aí. Imaginemos que, na programação desse nano-robô, ele seja instruído a criar de maneira alternada uma cópia idêntica de si mesmo, e uma cópia ligeiramente diferente de si mesmo. Não uma diferença pré-programada, mas algo totalmente aleatório.

Teríamos então simulado o mecanismo da mutação com propósitos evolutivos. A geração aleatória criaria uma imensidão de nano-robôs não funcionais (devido à aleatoriedade do processo de criação de indivíduos ligeiramente diferentes), uma outra imensidão de nano-robôs idênticos ao “nano-robô primordial” e, o mais importante, um indivíduo que seria melhor que o seu criador – seja em velocidade de replicação, seja em mobilidade, seja em capacidade de encontrar os átomos que lhe são necessários, entre outros. Esse indivíduo com o tempo substituiria a “espécie” de seu criador, simplesmente por competição. Tal qual na natureza.

Agora, se não é o bastante, imagine que essa programação dos nano-robôs, que permite a criação aleatória, também crie alterações que eventualmente façam surgir a associação de nano-robôs, diferentes ou iguais, em organismos maiores. Novamente surge a semelhança com a natureza.

Finalmente, imagine a seguinte situação: um extraterrestre visita dois planetas: a Terra, e outro onde existem os nano-robôs no último estágio que discutimos. De quantas formas diferentes de vida estamos falando?

Por enquanto, eu diria três.

6 comentários:

Bianca Hayashi disse...

Esse post merece um "continua..."!
Parece um assunto inacabado e que você pretende falar muito mais ainda. E eu adoraria ler suas teorias a respeito desse universo que eu não tenho tanta familiaridade. Aliás, acho que essa é uma das razões para nós lermos blogs (principalmente), para conhecer coisas que geralmente não fazem parte do nosso cotidiano.

O título que você colocou nesta postagem é exatamente algo que eu venho pensando há um tempo. A morte definitiva é associdada à morte cerebral, porque o contrário não acontece? Tanta discussão a respeito do começo da vida e o Vaticano dizendo que é pecado capital fazer pesquisas com embriões e tal... u.u

Um dia ainda escrevo algo sobre.

Sobre os nano-robôs, eu os comparo com os bichinhos microscópicos que habitam o planetinha aqui. Mas robôs me dão medo; coisa de pessoa que assistiu muito filme de terror besta. Sempre tem aquela velha idéia de que a máquina irá aprisionar o humano, mas de boa, eu acho que isso já acontece. Senão, o computador não seria item essencial na vida da gente.

E, pra variar, nunca posto coisas sustanciais. xD
Vou melhorar, prometo!

Rabay disse...

Bom a questão central era essa heheh, o que deve ser considerado e o que não deve, não sei se tenho mais o que falar XD Mas claro, posso vir a imaginar outras coisas a partir disso... Por exemplo, se seria conveniente criarmos esses nano-robôs e mandá-los em colonização pelo espaço, visto que nossa civilização está aparentemente "encarcerada" nesse sistema solar devido às restrições tecnológicas de viagem pelo espaço =P

Aliás, olha aí algo que me veio agora à cabeça: não seria o certo fazermos isso se nossa civilização um dia acabar? Deixar um registro de nossa vida inteligente, criando nova vida? Mais que isso, será que já não aconteceu isso conosco? Será que não somos associações de trilhões de uma espécie de nano-robôs (nossas células) que não reconhecemos como tal? Humm viajante

Sobre a morte cerebral estar associada à definitiva mas não o contrário... deve ser um pensamento de nós humanos, afinal a nossa vida é supostamente a única inteligente.

E eu acho sinceramente que devíamos fazer um "Talk to the hand" para o Vaticano, huahuahuahu. Essas questões científicas precisam ser discutidas fora do âmbito da fé, e lembrando, a Igreja tem que cuidar dos seus fiéis e só, não do resto do mundo...

Sobre esse negócio das máquinas dominando os seres humanos, o que eu quero dizer ta´mbém com o post é que a humanidade está muito mais próxima (entenda isso como dezenas de anos) de criar vida artificial do que vida inteligente artificial (que pra mim ainda é um mistério se isso um dia seria possível, simular a inteligência), e que isso é tão ou até mais perigoso em termos de apocalipse, heheh

Nefelibata disse...

1. Quando estudei vírus, e vi a imagem de um bacteriófago (joga no Google), eu pensei algo como "uau... parece uma máquina". E viria a pensar, depois, se isso não teria sido obra de alienígenas extraviada no espaço... é tão bem-feitinho!

2. Robôs que se autorreplicam. Isso já existe. E nem é novidade. Se bem me lembro, uns robozinhos do tamanho de uma bola de tênis que foram desenvolvidos na virada do milênio já eram capazes de, no meio de um monte de sucata, reconhecer o material correto em forma e espécie, para produzir uma cópia fiel de si. Assustador XD

3. Como você respondeu, antecipando o que eu iria dizer: há uma grande diferença (aparentemente) entre "vida" e "vida inteligente". E nesse aspecto, é complicado deixar as questões da fé de fora. O que me lembra que mesmo a ciência é, no fundo, religiosa, porque tem a razão como dogma da mesma forma que a religião tem a existência de algo divino como dogma. No fim, são apenas maneiras diferentes de ver o mundo sem que uma seja necessariamente melhor ou mesmo mais satisfatória que a outra...

4. O que penso ser o maior perigo mesmo, que não senti explicitado no que você expôs, é a criação de armas "biológicas" com esses conceitos. Supondo que se criem nanorrobôs capazes de, por exemplo, deteriorar as válvulas do miocárdio ou a matéria do tubo neural, eles seriam muito mais efetivos do que uma bomba atômica, com a vantagem de não oferecer um espetáculo tão horroroso. E dependendo da tecnologia aplicada, é possível até mesmo limpar vestígios desses nanorrobôs no próprio processo de assassinato, possibilitando, no limite, que os EUA pudessem esculhambar com o Irã sem que se provasse que eles mesmos fizeram isso. A típica guerra suja com a qual eles sempre estiveram envolvidos.

Imagine-se então isso nas mãos de Chineses ou Russos...

Rabay disse...

Meh, escrevi uma resposta mas o computador travou e eu perdi antes de mandar ¬¬

Mas vamos lá de novo.

1. É, eles são bem-feitinhos com essas formas poligonais... Acho que isso se explica pelo fato deles serem bem menores que qualquer célula, que tem um formato mais "disforme", já esses vírus são "construídos" com muito menos moléculas, é que nem tentar aproximar um círculo por um polígono de 10 lados em vez de um de 100.

2. Humm seria o princípio aplicado no nível macro. Eu lembro de ter visto também uma notícia falando sobre uns cubos que usavam o princípio da auto-replicação, mas os cubos só identificavam outros cubos pré-construídos, daí num vale, heheh.

Esses que vc viu, certeza que eles se auto-replicavam? Ou só identificavam os materiais necessários para tal? Não seriam só "sondas", que identificavam os materiais necessários e talvez mandavam as informações/transportavam os materiais para uma máquina que criava mais dessas sondas? Porque aí "não é tão perigoso assim", afinal a máquina teria uma taxa de produção de novas sondas, o perigo existe na progressão exponencial se os próprios robôs criam cópias de si mesmos capazes de criar mais cópias.

3. O que é curioso é que a humanidade está tão ansiosa para criar vida inteligente que parece não perceber que a criação de vida artificial está bem mais próxima.

Sobre a questão da fé, talvez eu tenha sido muito radical no meu comentário. Realmente tem essa questão da razão no fundo ser composta de dogmas, eu sempre penso no que você falou naquele dia na casa do Danilo! Mas no final eu sempre acabo tendendo pro lado da razão... Eu penso assim, a lógica não seria natural e intuitiva do ser humano? Talvez eu que esteja sendo muito dogmático...

Mas colocando de outra maneira, eu acho que a Igreja devia pelo menos "sentar para conversar" quanto a esses assuntos. O que eu vejo é só a negação sem discussão, por exemplo saíram sete novos pecados capitais aí, e as pessoas simplesmente não questionam e a própria Igreja não incentiva essas pessoas a discutir e se questionar sobre essas questões. E se fosse seguida a lógica de quantas pessoas seriam beneficiadas com as pesquisas, não seria suficiente, sem entrar nas questões da fé, que são tão variáveis pra cada um?

4. Realmente esse cenário que você exemplificou é o mais provável, e talvez por isso mesmo o mais perigoso.

Só que, num tempo mais longo, eu ainda acho que a idéia dos nano-robôs consumindo a Terra é a mais assustadora. Não precisa nem ser premeditado, um erro seria suficiente pra acabar não só com a vida na Terra (o que já foi feito inúmeras vezes na ficção por vírus, holocaustos nucleares e meteoros), mas com a própria Terra.

Agora o principal ponto do texto é se esses robozinhos teóricos podem ou não ser considerados formas de vida... E num contexto mais amplo, o que é a vida em si.

Agora deixa eu ir pro campo (não tão interessante) da mecânica das estruturas XD

Tendendo ao infinito disse...

Homo sapiens Hitch.
Olha gente somos catequizados pela fé, talvez isso justifique o medo do evolucionismo. Porem, a discursão a respeito do proposito da necessidades da utilização dos robôs para demanda de atividades em substituição da ação humana, já esta evidenciada. Entretanto, precede a idéia de algoritmo mutante capazes de assimilar e copiar funções de organismos vivos, como sugere Nefelibata, quando difere "vida" de "vida inteligente, que hipoteticamente concorreria com a raça humana. No entanto, não teríamos tempo suficiente de acompanharmos este processo ao longo de uma escala evolutiva, isso claro em uma perspectiva determinista, afinal descobrirmos que somos Homo sapiens -sapiens demandou um bom tempo.
A problemática referida caracteriza com a própria dominação do homem pelo homem mesmo tratando-se " homem x máquina". Não podemos frear o que o logico ao passo que deveríamos sim educar a humanidade para um pensamento científico e tecnológico. Cabe a nós, definirmos que tais códigos deveram pertencer a todos livre de patentes. Afinal, somos máquinas criando máquinas que comparado a matriz humana em um processo evolutivo natural têm ainda muitas vantagens.
Um grande abraço para todos, foi um prazer ter lido e comentado este blog.
Adeildison Ribeiro Teixeira -
Estudante de Geografia e Engº Elétrica
UESB/CEFET-BA - Vitoria da Conquista Bahia
email: dedegeo@gmail.com
msn: decubisar@hotmail.com

Nefelibata disse...

1. É verdade, quanto menor é a coisa, chega uma hora em que fica bem definidinha.

2. Olha, pode ser que eu tenha lido errado ou a matéria tenha se enganado, mas eu me lembro de ter visto que o cubinho reconhecia a matéria E construía um outro igual a si. Ou seja, foderoso assim.

3. Eu acho que aí questão só é recolocada mais para frente, e não resolvida. Eu tenho alguma convicção de quanto mais perto chegarmos de criar vida artifical, mais vamos entender sobre o que é uma vida inteligente. Quais critérios utilizar? Lembro-me de uma história em que um cosmonauta e um neurocirurgião soviéticos conversavam sobre a vida, o universo e tudo o mais, e o cosmonauta disse "já vi a Terra de todos os ângulos e o espaço de todos os pontos de vista, e nunca encontrei Deus". E o neurocirurgião responde: "eu também já abri todo o tido de cérebros de todas as maneiras e nunca encontrei um pensamento".

E o que eu disse na casa do Danilo? XD Não me lembro...

Enfim, existe uma série de coisas que fazem parte do ser humano, até mesmo num nível instintivo, e nunca vi nada que mostrasse que a lógica é uma delas. Primeiro: de que tipo de lógica você fala? Lógica matemática? Eu me confundo no troco do pastel; sou eu que não sou ser humano o bastante ou será que essa lógica não é inerente e perfeita em mim? Como aplicar isso numa situação em que uma pessoa entra num prédio em chamas para ajudar os outros, arriscando sua própria vida?

Realmente, a maioria dessas religiões "militantes", que saem à caça de fiéis e tudo o mais, não aceitam bem uma opinião diferente, ou da própria ciência. Mas não vejo a ciência "sentando para conversar" com assuntos religiosos também. Se eu digo que uma religião só aceita o que está escrito na Bíblia, formalmente isso não difere muito de uma forma de conhecimento que só aceita o que passa pelos testes de laboratórios, que por sua vez, estão longe de ser totalmente isento de erros. Remédios com contra-indicações tardias e amianto são dois exemplos que dou de "mea culpa" tardia demais da ciência.

A idéia é que, uma vez que a ciência é incapaz de resolver o mundo sozinha, por que é que se arroga disso? Acaba se comportando igualzinha à religião, nesse aspecto.

"E, se fosse seguida a lógica de quantas pessoas seriam beneficiadas pelas pesquisas...". Se falamos de células-tronco, concordo em parte. Supondo que amanhã se descubra a regeneração de olhos por essas pesquisas, será que aqueles ceguinhos daquele instituto pobre lá do Ipiranga teriam acesso a essa inovação? Na vida prática, o que é mais presente, importante e positivo para o ceguinho pobre? A ciência ou a religião?

O que quero fazer aqui nem é defender a religião, que realmente tem coisas absurdas como a proibição de métodos anticoncepcionais. Mas a ciência está muito e muito longe de ser a salvadora da humanidade. Tivemos guerras de religião, perseguições, Inquisição, cruzadas e tudo o mais. Mas também tivemos AK-47, câmaras de gás, cocaína, bomba atômica e aquecimento global.