Certa vez, enquanto bolava histórias pro RPG de Dungeons & Dragons que eu mestro, decidi colocar uma arma futurista, um fuzil laser pra ser mais específico, numa de minhas aventuras. Simplesmente achei que seria interessante colocar uma arma dessas num cenário medieval, e que isso certamente entreteria os jogadores. A solução que encontrei pra colocar aquela arma numa época diferente foi simples, uma viagem no tempo. Só que, lógico, eu teria que pensar em como funcionariam as viagens no tempo no meu mundo.
Quem se interessa pelo assunto, sabe que a viagem no tempo pode ser trabalhada de diferentes maneiras. Por exemplo, no filme De Volta para o Futuro, os personagens que viajam no tempo provocam alterações que criam novas linhas do tempo. O filme é divertido, claro, mas alguns pontos são falhos: certa hora, o protagonista (Marty, se não me engano) olha uma foto de seu túmulo no futuro, e quando faz uma alteração no passado, esse túmulo some, ficando só a foto do gramado. Porque alguém em sã consciência tiraria uma foto da grama da onde deveria estar o túmulo? Além disso, Marty quando volta ao futuro, encontra tudo diferente, sendo que ele não mudou nada. Fora todo o problema de se criar um paradoxo e “destruir o universo”.
Eu tentei bolar uma explicação diferente para como a viagem no tempo funcionaria nas minhas aventuras. Essa explicação parte da idéia de que a linha do tempo é única e que paradoxos não podem existir – de maneira alguma. As viagens no tempo podem até existir, mas um paradoxo não. E como fazer para nunca exista um paradoxo? Simples: o próprio universo se comportaria de uma maneira que impedisse que paradoxos fossem criados ao longo de sua história. Mesmo que isso, alguma vez, parecesse altamente improvável.
Por exemplo, suponhamos que você invente uma máquina do tempo e volte 50 anos para o passado e tente matar seu próprio avô. Você deixaria de existir, afinal seu avô não geraria seu pai ou sua mãe, que não geraria você. E como você teria feito essa viagem para matar seu próprio avô? Seria criado um paradoxo. Para que isso não acontecesse, o universo providenciaria que alguma coisa acontecesse com você antes que consumasse o homicídio. Sua máquina do tempo poderia não funcionar. Ou você poderia nunca encontrar seu avô no passado. Ou no último momento, você poderia simplesmente desistir!
Isso tudo parece muito forçado? Uma força quase divina guiando seus atos para que paradoxos não fossem criados?
Pense no andamento da história. Da sua história ou mesmo da de toda a humanidade. Nossa existência é repleta de possibilidades. Você pode parar de ler esse texto ou continuar a lê-lo até o final. Mas a questão é que você vai fazer apenas uma dessas coisas no futuro. A linha do tempo, pelo menos aquela em que nós vamos viver, é apenas uma. No futuro, todas as nossas decisões já foram tomadas, e nossa sorte já foi lançada.
Agora imagine o andamento de diferentes linhas do tempo possíveis como uma árvore. Tudo começa no Big Bang, que seria o tronco da árvore. Ao longo de toda a história, para cada possibilidade, temos um galho, para cada possibilidade derivada desta, uma ramificação desse galho, e assim por diante, até o topo da árvore, onde estamos, e que continua crescendo, cada vez com novas possibilidades.
Os “caminhos” possíveis nesta árvore que possuam paradoxos, simplesmente não vão existir, pois um paradoxo não pode existir. O que nos sobra? Apenas os galhos onde não há paradoxos. Mesmo que coisas absurdamente improváveis aconteçam numa linha do tempo, se elas forem minimamente possíveis e impedirem a existência de um paradoxo, haverá uma linha do tempo onde essas coisas estarão presentes. Por exemplo, você poderia ganhar na loteria e desistir de viajar no tempo para matar seu avô, simplesmente ficando para aproveitar sua fortuna.
Além disso, vale lembrar que a linha do tempo (pelo menos a que estamos/vamos viver!) é apenas uma. Assim, ainda no caso do assassinato do avô, se a viagem no tempo for efetuada, ela fará parte da linha do tempo, mesmo que ela não cause nenhuma mudança significativa (a morte do avô por exemplo).
Agora, como eu usei isso no RPG. O viajante no tempo, no caso, foi um astronauta vindo de milhares de anos à frente. Ele e sua equipe viajavam à velocidade da luz numa nave espacial, quando acabaram caindo na época “do jogo” (não me preocupei muito em explicar a viagem no tempo em si – apenas como ela funcionava no universo que eu criei; de fato, viajar na velocidade da luz é uma tarefa e tanto, visto que sua massa cresce exponencialmente). Mais precisamente, eles caíram (agora literalmente) numa geleira, e estavam sem combustível. Eles desejam encontrar combustível para a nave e voltar para um ponto no tempo um ano antes de terem partido – encontrando então seus “eus” do futuro – apenas para experimentar como o tempo se comportava. O destino, claro, “tratou” de impedir essa viagem de volta para o futuro – todos os astronautas menos um foram mortos durante a busca pelo combustível, mesmo estando armados com fuzis de tecnologia de ponta, por “lobos das estepes” (um monstro de D&D). O último astronauta chegou a interagir com os jogadores e até mesmo a explicar o intento dele e de seus companheiros – mas acabou sendo morto por um NPC que estava junto do grupo, que apenas desejava roubar sua poderosa arma.
Dessa narrativa percebe-se que, se os astronautas queriam criar um paradoxo (na linha do tempo eles não tinham se encontrado consigo mesmos um ano antes de partir!), alguma coisa teria que impedi-los de faze-lo. E essa coisa poderia ser uma simples desistência , ou a morte de todos eles, que foi o que aconteceu.
Bom, ao bolar a aventura, fiquei empolgado não só com ela, mas como essa idéia poderia explicar a existência de viagens no tempo de uma maneira simples e genial.
Mais tarde acabei descobrindo, porém, que eu não havia sido o primeiro a pensar nessa explicação:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Viagem_no_tempo
Leia a parte do princípio de auto-consistência Novikov, explica justamente essa teoria, apenas não detalha as linhas do tempo teóricas para cada possibilidade em que eu pensei.
Fora isso, fiquei muito surpreso (e agora estou na expectativa) quando passei a assistir a quarta temporada de LOST. É possível que esta teoria esteja sendo utilizada quando foi incluído o conceito de viagem no tempo na série, e mais, pode ser que isso seja a explicação para muitas coisas. Basta pensar, LOST é a terra das coisas improváveis. Sem querer dar muitos spoilers, um personagem tenta se matar jogando um carro contra um muro, e “milagrosamente sobrevive”, segundo a enfermeira que posteriormente cuida dele. Tenta de novo com uma arma totalmente carregada, e ela simplesmente falha! “A Ilha não vai deixar você se matar”, lhe diz outro personagem. Mesmo que o primeiro personagem tentasse atirar várias vezes na cabeça com a arma, se ele fosse vital para a inexistência de um paradoxo (posteriormente viajando no tempo para o passado e definindo acontecimentos essenciais no começo da série, por exemplo), a arma “trataria” de falhar todas as vezes.
Bem, para concluir, devo dizer que as viagens no tempo estão muito longe da nossa realidade atualmente. Mas, pelo menos, espero que vocês tenham apreciado o quanto elas podem ser plausíveis na ficção com essa teoria, assim como eu fiquei (apesar de que eu ficaria bem mais animado se continuasse a pensar que tinha sido uma idéia original, heheh).
Agora se você não gostou da teoria nem do meu texto, te aconselho inventar uma máquina do tempo, voltar duas horas antes da postagem e me matar. Ou pelo menos tentar, hahahah.
Exercício
Há 10 anos