sábado, 29 de novembro de 2008

24 Horas e a política de intervenção americana

24 Horas - Elenco da sétima temporada

Essa semana, assisti ao telefilme de 24 Horas cujo trailer linkei aqui, ainda este mês. Gostei bastante do que vi, e tenho esperanças que a série ganhe novo fôlego depois de um ano e meio parada, principalmente por causa da greve dos roteiristas.
Uma coisa que me agradou muito, foi a intriga política que foi colocada como pano de fundo do filme, e que (eu espero) tenha continuadade ao longo da temporada. Não é certamente o que mais me atrai na série - o que mais me agrada talvez sejam coisas bem mais mundanas. Eu poderia citar o fator "aventura", a grandiosidade das crises e a urgência de tudo, a variedade de vilões e situações que Jack Bauer enfrenta, enfim, entre essas e tantas outras coisas que me agradam na série, mas essa não é a idéia desse post (pelo menos, não do post de hoje).
Queria falar como que, acredito eu, 24 Horas tenha apresentado de diversas formas um mesmo aspecto da política dos EUA, o que eu achei muito interessante.
Numa das primeiras temporadas (que foi ao ar no final de 2002, logo após os ataques de 11 de setembro e com a guerra no Afeganistão começando, se não me engano), discutiu-se na série a validade da invasão de um país, acusado de colaborar com o terrorismo. Um ataque terrorista teve sucesso relativo, e o presidente sentiu-se forçado a executar este ataque. Porém, ao longo da temporada, foi revelado que as provas do envolvimento deste país tinham sido produzidas por um grupo de empresários, que tinham como objetivo apenas encarecer o preço do petróleo.

Presidente David Palmer (2ª temporada)

Alguns anos depois, a série usou este mesmo tema, mas a trama era mais complexa, e os produtores resolveram ir "mais fundo": o próprio governo dos EUA conspirava para assegurar a posse dos campos de petróleo do centro da Ásia. O complicado esquema envolvia fornecer armas químicas para separatistas russos, e dispará-las no QG dos mesmos, para assim ter uma prova de que eles possuíam tais armas. Com essa prova, estaria justificada a presença militar americana na região. Qualquer semelhança com a realidade, com a busca por armas químicas no Iraque, não seria mera coincidência.

Presidente Charles Logan (5ª temporada)

E no ano seguinte, mais uma faceta possível da intervenção americana foi mostrada - dessa vez muito mais simples, e talvez por isso mesmo, assustadora. Diante de um ataque terrorista bem-sucedido (a explosão de uma bomba atômica de pequena proporções em Los Angeles), o então presidente dos EUA optaria pela retaliação contra o país dos terroristas - mesmo sem nenhum tipo de prova que o governo desse país ajudava esses terroristas. Ou seja, o ataque seria feito simplesmente por causa do belicismo do presidente, sem nenhum interesse em si. Novamente, qualquer semelhança com a realidade não seria mera coincidência.

Presidente Noah Daniels (6ª temporada)
É interessante como nessas duas temporadas, as duas possíveis faces foram apresentadas e bem exploradas. Uma conspiração por interesses no petróleo em uma, e a simples irracionalidade bélica do presidente em outra como grandes motivações.
Agora, com a nova temporada (sétima), surge uma terceira face da discussão. O país em questão não é mais do Oriente Médio, ou de qualquer região com petróleo, ou mesmo qualquer outro recurso importante. É um país africano fictício (Sangala), que está sendo vítima de um golpe de estado por um general sanguinário. A discussão girará em torno de ajudar ou não este país em apuros. A intervenção dos EUA, então, seria apenas para evitar um genocídio de milhares de pessoas inocentes. Seria uma intervenção desse tipo justificada? A nova presidente (Allison Taylor) alega que sim. É a velha questão da liberdade contra a vida novamente; alguma nação tem o direito de interferir nos assuntos de outro país, quando se trata de salvar milhares de vidas?

Presidente Allison Taylor (7ª temporada)

Sempre li que o criador de 24 Horas era republicano de carteirinha (literalmente). Não deixa de ser verdade, pelas ideologias que são mostradas na série. Mas eu gostei de como a política de intervenção americana foi mostrada de tantas maneiras, talvez até de todas possíveis, isso dá bastante margem para o espectador tirar suas próprias conclusões (não que o americano médio inflexível vá fazê-lo). E é engraçado como a nova temporada poderia estar antevendo acontecimentos futuros. E se o presidente Obama for um idealista tal qual a nova presidente dos EUA em 24 Horas? E se ele justificasse a invasão de um país cujos cidadãos sofrem nas mãos de um ditador?

Fica aí a nova discussão. Embora fique também uma ótima série de ação e drama, para o simples entretenimento =)

4 comentários:

Nefelibata disse...

Curioso que o presidente negro antecede a presidente mulher... =]

Mas mais interessante ainda é ver que um republicano põe na berlinda o próprio modus operandido governo de que é partidário. Muito legal isso!

Na lata: eu detesto republicanos. Mas faz sentido um seriado com tanta ação, tortura e explosões ser concebido por um. Eles curtem essa vida loka de cowboy mata-índios, arma na cintura e tiro no folgado, etc.

Mas essas críticas subjacentes me elevam o respeito pela série =]

Anônimo disse...

Interessante seu ponto, Rabay. Aposto que a maioria dos americanos gosta de Jack Bauer (e a série) por ele ser uma espécie de Chuck Norris, hahahaa.

Mas essa parte mais intelectual foi o que eu gostei mais na série... o Bauer em si não me chama atenção, pra mim, era mais um Rambo moderno (tá, ele pensa e articula as frases).

Fiquei pensando se poderíamos usar a famigerada "a arte imita a vida", mas penso ser algo diferente, neste caso. Talvez as intenções dos US&A para com o resto do mundo sejam tão evidentes que as pessoas não se choquem mais em ver como um seriado retrata tão bem a realidade. Ou nem reparam nisso e só querem saber de bombas e relógios.

Rabay disse...

@Thiago: Humm, entendo que você deteste os republicanos, mas quero ressaltar que eu acho que não há uma exaltação do "cowboy mata-índios", justamente porque os vilões são bastante diversos (o que talvez seja a abordagem mais justa do nosso mundo). Pra dar um exemplo, na segunda temporada, enquanto o Jack estava tentando provar que o país supostamente envolvido no ataque aos EUA era inocente, um agente árabe ajudou ele - e foi espancado até a morte por rednecks no cumprimento da missão. Quanto aos tiros e explosões, isso eu confesso que também gosto, hehehe.

Enfim, eu recomendo que você dê uma olhada na série, vai ver o quanto ela é diversa (talvez esse seja um dos motivos do sucesso). Na nova temporada, assim como há um general sanguinário, também há um congressista lhe fornecendo armas. E se você gostar dos heróis incorruptíveis que só procuram salvar as vidas dos inocentes, lá vai estar Jack Bauer pra enfrentar esses caras =]

@Bibi: Quanto ao Jack, se vc continuar acompanhando a série, talvez veja um maior desenvolvimento do personagem. Nas temporadas seguintes ficam mais exaltados os dramas pelos quais ele passa (e a atuação é muito boa).

Quanto à parte intelectual, se vc se refere às intrigas presidenciais que eu descrevi aqui, é nas próximas temporadas que você vai ver elas mais a fundo (na primeira tudo gira em torno das eleições). Parece que eu estou fazendo propaganda aqui (não que de certa forma não esteja, heheheh), mas é isso mesmo, nas próximas sempre tem uma trama presidencial ligada com as ameaças terroristas.

Leonardo Passinato disse...

É, meu caro, taí a grande discussão do direito internacional... de um lado, os pensadores que acreditam existir um núcleo de direitos humanos universais (daí serem chamados de universalistas), o que permitiria intervenções como a de Sangala...de outro lado, os relativistas, que acreditam que todos os direitos são relativos, mudando de uma cultura pra outra...ambas as posições são complicadas: direitos humanos poderiam ser usados como mero recurso ideológico para ocultar pretensões menos nobres, tipo petróleo...ou deixaríamos de intervir numa ditadura extremamente cruel, ou de recriminar a mutilação genital da África sub-saariana simplesmente por se tratar de "outra cultura".
Eu ainda não resolvi esse problema na minha cabeça...